Rake 1

73 6 0
                                    


Eu costumava acreditar que o mundo era uma maravilha, que as tragédias só aconteciam na televisão. O meu erro? Viver de olhos vendados.

Meu pai era um homem incrível, sempre contava histórias da sua infância, das coisas que brincava, das aventuras que vivia. Quando eu tinha 10 anos eu e minha meia irmã, Duda, estávamos voltando da escola. Tínhamos a mesma idade, então éramos da mesma classe, tínhamos os mesmos amigos, os mesmos gostos, fazíamos tudo junto. Chegando em casa vimos mamãe chorando, um policial a consolava, era um homem fardado e bem apessoado. A triste noticia que ele trouxera nos deixou incrivelmente sem chão. Era nosso pai, havia sido assassinado por alguém ainda não encontrado. A dor que senti no peito foi tanta que fiquei paralisado, ondas de frio desciam e subiam meu corpo da cabeça aos pés. Minha irmã já estava no colo de minha mãe, que juntamente a filha chorava desesperadamente.

Cinco anos se passaram, a dor que nunca foi esquecida permaneceu em meu corpo, estava adormecida, até que algo a despertou. Duda estava na sala de casa me esperando para irmos à escola, eu atrasado como sempre, pedi para ela buscar minha mochila.

— Duda, já vai pegando minha mochila enquanto me arrumo!

— Tá no quarto? — Perguntou ela num tom de aff que sempre me irritava. O quarto era do nosso pai quando jovem.

Duda sabia onde eu guardava meus trocados, e já foi logo pegar um pouco "emprestado". Eu guardava toda a mascada em uma gaveta velha, difícil de abrir, Duda a abriu e acabou quebrando um pedaço da gaveta debaixo. Eu nem a usava mesmo, era impossível de abrir, porém, Duda havia feito a proeza de não só quebra-la mas também de pegar um livro antigo que havia ali dentro, ela me chamou.

— Bruno, era do nosso avô! Parece um diário.

Folhamos algumas paginas e na metade final do diário havia uma letra diferente, e aparentava ser mais recente, a letra era de nosso pai.

— BRUNO, DUDA. VÃO SE ATRASAR PRO COLÉGIO. — Gritou nossa mãe.

Coloquei o livro na mochila, peguei meu skate, e fomos pra aula.

O colégio era grande, e as amizades também. Na nossa classe nossos melhores amigos eram Lucas, o mais estudioso da sala, Giulia, uma guria esforçada e que topava tudo, Julia, muito seria e focada, mas tinha seus momentos engraçados, Maria Eduarda, uma loira risonha que estava sempre alegre e Rodolpho, o mais vagabundo que não trabalhava em aula, mas era um cara legal. Nas outras turmas e em outros colégios também tínhamos vários amigos que víamos quase em todos os fins de semana.

Quando entramos na aula a primeira coisa que fizemos foi sentar e abrir o livro, na primeira página logo de cara já dizia:

"13/11/1978 – Segunda-feira.

Estou começando esse diário apenas para desabafar, contar sobre meus dias, contar sobre meus pensamentos, sentimentos, dores, e principalmente, contar o que não conto a mais ninguém.

Já tem passado uns dias que tenho tido sonhos estranhos, sonhos com uma criatura deformada. Impossível esquecer daquela noite... Ele era tão jov..."

Então a professora fala bem alto em um tom de fúria que nos deixava com o coração na boca:

— E o livro do Bruno, que obviamente não pertence a minha matéria, vai direto pra coordenação.

— Não, Sora! Já to guardando! — Falei.

— Escolhe, é o livro, ou o senhor e o livro. — Ela retrucou. Não tive outra escolha a não ser entregar o diário, que ficou na mesa da professora pelo resto da aula.

RakeOnde histórias criam vida. Descubra agora