Capítulo 1 - Portas fechadas

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- Me sinto como a Rapunzel dos contos infantis, presa no alto de um castelo, sem poder ver o mundo, poder senti-lo, é como se eu só vivesse pela metade, então cadê a parte em que um príncipe vem e me faz viver por inteiro?

Ávalon viveu rodeada de homens e armas desde que nasceu, mas seu pai nunca lhe ensinou nada com relação a nenhum dos dois. Apenas dizia que a amava e que estaria la sempre para protegê-la, que essa era a única coisa que importava e que ela precisava saber; e Ávalon sempre concordava, afinal era uma menininha de sete anos; o que mais poderia querer além do amor de seu pai?

E assim foi até Ávalon completar os seus 16 anos, quando conheceu Damian.

Era inicio de Primavera, o gelo começava a derreter, já podia-se ouvir alguns pássaros cantando, mesmo que distante e pequenas florzinhas vermelhas ainda em botão começavam a surgir, esforçando-se para desabrochar por sob o concreto do muro. Eram como pequenas gotas de sangue espalhadas sobre um cinza torrencial.

Ávalon olhou com melancolia por trás da janela do quarto. Não queria que o inverno acabasse, queria ter aquela paisagem gelada por mais tempo, mas morando no Brasil, sabia que era quase impossível o inverno durar tanto, já era raro nevar, mesmo no Rio Grande do Sul - O estado mais distante da linha do equador no país. Ela suspirou e começou a esfregar o parapeito cinza da janela com o polegar.
Cinza.
Percebeu. Assim como o muro, todo quartel era cinza - a não ser por alguns pontos de verde, da grama que crescia nas laterais do pátio na entrada - tudo era feito de concreto sem nenhum traço de que algum dia fora pintado. O quarto da garota provavelmente era o único ponto em todo o alojamento que não fosse puro e completamente cinza. Ávalon dera um toque de Azul-cobalto - sua cor preferida- em alguns pontos do quarto, dando ao local um aspecto menos opaco. Na cama colocara uma colcha feita de retalhos com diferentes tons de azul, as maçanetas de cada móvel também eram pintadas de azul, alem das paredes e do tapete no chão ao lado da cama.

A estante de madeira, onde eram postos todos os livros que seu pai lhe dera tambem era azul -Ávalon a havia pintado no verão passado com o pai. - Passou os olhos pela estante, até avistar um livro na lateral direita da primeira fileira, o único livro que seu pai não lhe deu, pois, tinha sido presenteado pela sua mãe. A mãe que ela nunca conheceu, pois, a mesma tinha morrido após seu nascimento.

Era um livro fino,que começava com a história bíblica de Adão e Eva, que foram expulsos do Jardim do Édem por terem desobedecido a Deus e comido do fruto da arvore de Genesis: O fruto proibido, do conhecimento do bem e do mal. Então após eles serem expulsos, Deus ergueu todo o terreno do Paraíso no ar, elevando-o a uma altura muito grande, para que Adão e Eva não pudessem voltar. Por ultimo colocou guardiões anjos para que vivessem ali, cuidando do local e o mantendo suspenso no céu, a partir da doação de seus prismas todo ano para a árvore. E no final, na parte de dentro da capa havia escrito em tinta preta:

" Ainda que haja noites em seu coração, vale à pena sorrir para que haja estrelas na escuridão. Seja forte."

Ávalon havia perdido a conta de quantas vezes havia lido isso. Sempre que se sentia triste, nas vezes em que se sentia só. Por mais que tivesse seu pai -e ela amava cada momento com ele -as vezes ela sentia que faltava alguma coisa. Uma presença. Uma mãe.

Caminhou até a estante e tirou o livro da prateleira. Abraçando-o sobre o peito, voltou-se novamente para a janela, olhando para nada em especial. -Ávalon estava no terceiro e ultimo andar do prédio de dormitórios, ela era a única que dormia ali, pois gostava de lugares altos.

- Hoje eu completo 16 anos mãe... 16 anos sem você... -falou ela pensativa. -Não, eu não tenho qualquer tipo de raiva ou angustia. Certas coisas, não temos o poder de mudar. O destino tem dessas, não é? Permitir que coisas ruins aconteçam com pessoas boas -Ávalon suspirou resignada, e abriu o final do livro para ler a frase novamente. Passou o polegar sobre a caligrafia da mãe e pensou em como tinham letras parecidas, ela também escrevia de um jeito curvilíneo e levemente inclinado. Olhou para as duas ultimas palavras "Seja forte." -É isso, não é mãe? A única alternativa? Ser forte... É o que venho tentando ser desde que li o que você me escreveu pela primeira vez, desde então eu não choro mais por besteira -observou ela -na verdade, eu quase nunca choro.Tento sempre nunca sentir pena de mim mesma. Sou uma fortaleza, enfrentando tudo sem vacilar. Tento sempre ser forte, ou pelo menos aparentar ser.

Ávalon ouviu a porta bater, uma batida característica -Com três toques, pausa e mais um toque, repetindo continuamente até ser atendido -que indicava claramente ser o seu pai Harryson. Ele gostava bastante de códigos, charadas e coisas do tipo pra se comunicar com ela.

Uma vez ele tinha feito uma viagem pra Amazônia -"Pra resolver umas coisas", como ele dissera -mas a sua estadia lá se prorrogou pra mais uma semana, e para avisar a filha ele mandou um email, só que escrito em códigos. Ávalon levou uma tarde inteira tentando decifrar, até que ela foi ao banheiro e quando puxou o papel higiênico a regra pra decodificar o email estava lá, escrito em caneta preta."Harryson sendo Harryson" pensara ela naquele dia, sorrindo. Era a cara do pai fazer aquilo, pois sabia que ela tinha um banheiro só dela no quartel, não correndo o risco de outra pessoa entrar alem dela, e estava em um local que em algum momento ela encontraria.

Concluindo que era seu pai que estava na porta, Ávalon correu e pôs o livro de volta na estante. Pulou de volta na cama e se embrulhou.

-Entra pai - disse Ávalon fazendo uma falsa voz de sono. Não queria que o pai soubesse que ela estava tão cedo já de pé, porque isso acarretaria perguntas e ela não estava afim de responder nenhum questionário.

Harryson entrou, e junto com ele um pequeno bolinho - decorado com glacê azul-claro; tinha um formato circular e o numero 16 escrito em cima em um azul mais escuro. -Fechou a porta atrás de se, abrindo um sorriso enorme.

-Feliz aniversário!!! Para a menininha mais linda desse mundo! - disse Harryson, olhando para Ávalon como quem olha uma foto antiga e se da conta de como o tempo passou rápido.

- Aah pai para, já faz tempo que eu não sou mais uma "menininha" - exclamou Ávalon sorrindo, erguendo-se para ficar sentada na cama. A menina olhou o pai que estava ali com um sorriso bobo e pronto para lhe contradizer, e pensou que provavelmente ninguém do quartel já o vira assim, a não ser ela.
Harryson Pai e Harryson General, eram figuras totalmente diferentes. Harryson pai era sorridente, engraçado e jovial, já o Harryson general é o total oposto ele é sério e carrancudo, é até um pouco difícil de socializar com ele as vezes, mas uma coisa que não muda é que ele sempre está pensando no melhor pra todo mundo.

O pai abaixou a cabeça e olhou para o bolo - para o número em cima dele mais especificamente - e suspirou sentando-se na cama ao lado da filha, apoiou o bolo sobre o criado-mudo e a puxou para um abraço.

- Verdade -disse resignado -você cresceu tão rápido -O pai beijou a testa da filha. Ávalon se sentiu leve e segura e pensou se era algum tipo de poder que os pais tinham, de fazer seus problemas diminuírem só com um abraço. -Lembro de quando você era pequenininha, mais ou menos do tamanho desse bolo, e eu pegava você com o maior cuidado do mundo, com medo de você quebrar, porque você era tão leve, tão frágil - sorriu pensativo. - O bebê mais lindo do mundo. Eu lembro que na época eu me adaptei totalmente a você, sabe Ávalon eu nunca tinha sido um cara responsável, fazia o que queria, na hora que queria, o pior tipo de cara, lhe recomendo a nem chegar perto de garotos assim, na verdade lhe recomendo a não chegar perto de garotos, você não precisa deles, você tem a mim e...- Avalon o interrompe, completando a frase.

-E isso é tudo que importa, eu sei pai...

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⏰ Última atualização: Feb 03, 2019 ⏰

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