Luxúria

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Luxúria

I

- Onde está, Quincas, me deixa ver, disse Ana Deolinda. Estavam no quintal da casa dela, longe da casa, nuns bancos de madeira em meio às árvores. 

Joaquim Duarte, o namorado de Ana Deolinda, tirou um cilindro metálico de dentro do bolso do paletó, após ter dado uma olhada cuidadosa ao redor, e mostrou a ela. Ana Deolinda ficou olhando para o frasco. Era uma ampola de éter, marca Rodo Metálico, que Joaquim tinha "contrabandeado" até ali ao ponto de entrega que era o quintal. 

- Passe para mim, amor, ela disse a ele.  

Joaquim passou para ela o frasco. Ana Deolinda ficou contemplando a ampola de metal dourado e examinando e tateando com as mãos. Conjeturava seriamente e o cenho ficou franzido um pouco. Joaquim observava a expressão do rosto dela. Chegou a achar divertido ver o embate que certamente se travava ali dentro dela.  

- Você já experimentou, Joaquim? 

- Não, com efeito. Já lhe disse que não. 

- Não, com efeito. 

Joaquim sorriu. 

- Eu sei, Ana Deolinda disse. Mas agora, antes de chegar aqui. 

- Não, nem agora. Comprei e trouxe. Do jeito que você pediu. Faço tudo o que você pede. 

- Ah, Quincas. 

- Não sei se deveria ser assim. Acho que deveria ser mais firme. Não deveria fazer tudo o que você quer. Onde vamos parar? 

- Não sei, Quincas. Só sei que gosto do jeito que você faz. 

- Gosto de beijar você, ele disse depois de a ter contemplado um pouco, se quiser saber. 

- Pode beijar quanto quiser. 

- Aí está. É por isso que faço todas as suas vontades. Daqui a pouco. Pode vir alguém. E aí? Não vai experimentar? disse Joaquim passando a ela um lenço que tirou do bolso do paletó. 

- Para que? Ah, disse ela. 

Ana Deolinda voltou a entrar em dilema. 

- Ai, Joaquim. Não, não vou querer não. 

- Não vai cheirar? 

- Não, Joaquim, não quero. 

- Mas você pediu que eu comprasse. 

- Eu sei. 

- Custou 8 000 réis. 

- Tudo isso? 

- É. 

- Não, não vou querer. Tenho medo. Não sei que reação pode dar, nem acho que seja certo. Nunca experimentei nada desse tipo. Não tenho coragem. 

- Não experimente, então.  

- Minhas amigas já cheiraram. Contaram para mim como é. Mas eu não quero não. Queria, mas agora não quero mais. 

- Está bem. 

- E o dinheiro que você gastou? 

- Foi para fazer voce feliz. Mesmo que não tenha experimentado, faz de conta que experimentou. 

Ela deu um beijo rápido no rosto dele. 

- Você não vai cheirar? 

- Que graça tem? Sem você? Não vou querer tampouco. Vou dá-lo de presente a algum amigo. 

- Não está zangado comigo? 

- Claro que não. 

Era o dia 2 de março de 1930, segundo dia de carnaval. Ana Deolinda não tinha ido nem estava indo aos bailes de carnaval, pois a mãe não permitiu. Joaquim Duarte também não foi pois não iria sem a namorada. No dia anterior tinha ocorrido a eleição presidencial. Estavam concorrendo Júlio Prestes, pela Concentração Conservadora, com Vital Soares como vice, e de outro lado Getúlio Vargas na chapa da Aliança Liberal, com João Pessoa como vice. A chapa de Júlio Prestes era apoiada pelo presidente da república Washington Luiz. 

LuxúriaWhere stories live. Discover now