Primeiro Conto, Parte um: Calamidade

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Havia neve e cinzas para todos os lados, e mais ainda caia do céu a cada segundo.

Zepon não conseguia mais diferenciar um do outro no meio daquela tempestade. O horizonte atrás de si estava vermelho e densas ondas de fumaça subiam para o alto, formando uma camada de escuridão que se unia com o céu noturno. O orc temia nunca mais poder ver as estrelas que estavam camufladas pela névoa sombria de carnificina.

Deu mais um passo com dificuldade, quase arrastando os pés afundados na neve fofa. Evitava respirar fundo, com medo de cobrir os pulmões de cinzas. Já estava vagando pelo deserto de gelo não sabia há quanto tempo, mas o fogo parecia cada vez mais distante e o ar ficava cada vez mais limpo a cada cem metros que andava. Pousou os olhos dourados na faixa de tecido amarrada em seu abdome. Estava completamente negra de sangue, mas não havia nada melhor para estancar o sangramento.

Se ao menos eu conseguisse mover o braço direito, poderia ter amarrado mais firme e perderia menos sangue.

De uma coisa Zepon tinha certeza: já fazia um tempo desde que a explosão aconteceu, e ainda assim o fogo mal perdeu a intensidade. Era claro para o orc que aquilo era bruxaria, mas ele nunca havia visto algo tão poderoso como naquela noite.

... Um Dia Antes ...

Não era sua primeira vez em campo - já poderia muito bem ser considerado um arqueiro experiente tanto quanto já era considerado eficiente, mas talvez não pela quantidade de pessoas que gostaria que fosse.

Zepon ajeitou o arco no ombro enquanto andava pelo acampamento. O som de sua bota esmagando a neve era estranhamente reconfortante para ele - sempre fora, desde que saia para caminhar com sua mãe quando ainda era um filhote, e ela deixava que ele corresse pelos campos de neve em volta de casa quando seu pai não estava olhando -, mas nesse dia não conseguia ouvir. O som da festa estava muito alto - alto demais.

- O acampamento inteiro vai estar lá, kol'Zepon. Por que hesita? - Lakor havia perguntado cedo naquele dia, enquanto mordiscava um naco de carne, deitado em sua rede.

- Não é o meu lugar - respondeu enquanto inspecionava a ponta de suas flechas.

- E como espera que sua família aprenda a festejar se não levar o aprendizado para casa? E que família melhor para aprender do que com a Zangar?

- Nós dois sabemos que minha família não é do tipo que festeja.

- E ainda assim conseguem lutar bem sem uma festa antes da batalha. - Lakor deu de ombros - Vocês não levam muito a sério os costumes das famílias do norte, não é?

- Somos gratos pela hospitalidade - e com isso, saiu da tenda.

Abanou a cabeça, voltando para a situação em que se encontrava: o acampamento inteiro realmente estava em volta da fogueira enorme, dançando e cantando cantigas órquicas ancestrais para honrar os deuses e conseguir suas bênçãos para a batalha no dia seguinte. Virou para o lado e entrou na sua tenda, deixando que as densas cortinas de entrada abafassem o som, mesmo que levemente.

Zepon achava isso idiota.

Crescera nas tundras do sul, e trazia consigo, em seu coração, as tundras do sul. Por mais grato que fosse por ter tido sua família acolhida pelos orcs do norte, era completamente contra perderem a identidade para trazer satisfação aos seus novos aliados. Era desonroso com seus ancestrais.

Foi o que disse ao seu pai quando ele se juntou as festividades, mas ele não ouviu.

- Precisamos nos adaptar, kol'Zepon. Acompanhe a maré ou se afogue nela. - foi sua resposta final.

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