Capítulo 1

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Ele era conhecido como Touro Negro.

Tinha uma força acima da média humana. Eram comuns histórias contando as muitas vezes em que ele estrangulou ursos para ter o que comer, ou da ocasião em que ele matou, sozinho, dois mamutes com as mãos nuas, entre outros feitos impressionantes. A força de seus grossos braços negros, sempre pronta a desencadear violência onde quer que fosse, era um irônico contraste com o branco pacífico da neve da região.

E naqueles alvos vales gelados, muitas cenas de morte e sofrimento já tinham sido presenciadas. Entretanto, o que havia de mais nefasto naquele local, eram poucos os que haviam visto. Quilômetros abaixo das álgidas cavernas que serpenteavam no sopé daquelas montanhas, ardiam chamas de maldade que nem o vento frio que soprava feroz era capaz de apagar. Protegida por defesas naturais, armadilhas mundanas, e energias mágicas, habitava a Ordem Profana de Haarlaok.

Dezenas de sacerdotes vestiam mortalhas negras e cobriam o rosto com andrajos. Cultistas ensandecidos celebravam rituais que envolviam tortura e sacrifício de donzelas virgens. Guerreiros ignoravam os limites de seus corpos e submetiam-se a treinamentos impiedosos visando aumentar suas forças. E vítimas jaziam em catacumbas frias ao lado de prisioneiros que invejavam os mortos.

Aquela era uma seita que cultuava uma das muitas facetas de Ahrahath, o deus da destruição. Organizavam sangrentas cerimônias de louvor a sua divindade, violentos torneios de combate (nos quais os fracos eram mortos sem hesitação), realizavam ataques sistemáticos a aldeias próximas pilhando tudo que podiam, e recrutavam novos membros através de testes extremamente cruéis.

E foi justamente esta última atividade que chamou a atenção de Touro Negro. A possibilidade de dedicar sua vida a lutas, violência e morte de pessoas inocentes o atraía. Para ingressar na Ordem, teria que ser bem-sucedido em diversas provas que comprovassem seu valor – e isso, mais que qualquer outra coisa, o interessava. Seu sangue fervia só de pensar na possibilidade de atestar, pela força, sua soberania sobre guerreiros valorosos. Após isso, seria temido e respeitado. E poderia liderar ataques melhor coordenados contra os vilarejos vizinhos.

Segundo o que se contava entre os pouquíssimos bárbaros que sabiam da existência da Ordem, era necessário passar em uma série de testes para ser admitido. De concreto, não se sabia mais nada. Falava-se em "testes de crueldade", nos quais os futuros membros eram desafiados a matar os prisioneiros da forma mais original possível. Mas fora isso, todo o resto era apenas um amontoado de conjecturas que Touro Negro não levou em consideração.

Mesmo sem estar munido das informações que gostaria, ele reuniu armas e suprimentos e partiu.

***

Taary era só um jovem franzino e desarmado. Ou, pelo menos, era isso que aparentava.

Quando, meses atrás, ingressou no Monastério, foi logo informado de que, à medida que fosse evoluindo em seu aprendizado, teria que cumprir missões designadas por seus superiores. Encarando isso com naturalidade, começou o treinamento com dedicação ímpar.

Primeiro, grandes mestres da filosofia trouxeram-lhe conceitos teóricos. Ensinaram-lhe o que é, e o que não é lutar, por que lutar, quando não lutar, e como lutar contra si mesmo. Foram preciosas lições que o fizeram entender que todo o poder que precisava estava dentro dele.

Depois, veio o treinamento da mente. Dias e noites de intensa meditação visando o autocontrole do subconsciente, e do entendimento do quanto ele afeta o corpo. Aprendeu a dominar seus medos após entendê-los, e a controlar o sistema nervoso a ponto de suportar a dor.

Em seguida (e a esta altura já havia passado quase um ano desde a sua entrada no Monastério), vieram os treinos físicos. Exercícios de fortalecimento muscular, testes de reflexo e agilidade, e provas de resistência. Tudo para levar o corpo ao limite extremo de sua capacidade – e fazê-lo se acostumar com isso.

Em dado momento, houve uma pausa nos ensinamentos para que mestres e pupilos tivessem alguns momentos de reflexão: Estava valendo a pena? O que eles tinham aprendido com aquilo tudo? De tudo que aprenderam, qual a lição mais importante? O que faltava ser ensinado ainda? Foi possível meditar muito, levando todos a conclusões enriquecedoras.

Para testar a real evolução dos alunos, os mestres os incumbiram de missões curtas, tais como resgate de itens mágicos, combate a kobolds, e sobrevivência em ambientes hostis.

Uma vez que todos foram bem-sucedidos, chegou enfim o momento mais esperado: as aulas de luta. Começando pelos fundamentos básicos de combate, passando por explanações sobre o que fazia o estilo de luta dos monges diferirem dos demais, até chegar à execução de golpes mais complexos. Eram horas diárias de repetição de movimentos, combates simulados e orientações teóricas.

Findado este processo, chegara o momento de testar verdadeiramente as reais capacidades de cada um dos neófitos. Todos foram incumbidos de novas missões. Mais do que testar o potencial deles em batalha, o intuito era avaliar a sabedoria que adquiriram. Por isso, alguns testes exigiam tomar decisões, solucionar enigmas, ou vencer inimigos sem lutar.

A Taary foi dado o dever de fazer algo com relação à existência da nefasta Ordem Profana de Haarlaok, que espalhava o pânico nas aldeias ao norte do reino. Com a roupa do corpo, um cantil com água e muita serenidade, partiu.



O Touro NegroOnde histórias criam vida. Descubra agora