CAPÍTULO I - O QUASE FIM

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Depois que o reino de Helena fora atacado pelos Elfos, a vida nunca mais havia sido a mesma. O bosque em que vivia com o seu povo — os bruxos — estava arrasado. Eles lutaram bravamente, mas as inúmeras baixas foram inevitáveis. Quase um extermínio acontecera após o covarde ataque. Uma magia que os bruxos nunca viram antes.

Ela se estremecia ao lembrar do seu desespero naquele dia, quando ela pressentira a desgraça que se aproximava. Acordara tremendo, assombrada, como se tivesse despertado no meio de um pesadelo terrível, daqueles tão vivos que parecem mais uma memória do que apenas um sonho ruim, mas não lembrava sequer de ter sonhado.

Não se preocupara muito com o que sentira e passou o dia na sua rotina habitual. Inclusive, fora para a escola e foi lá que viu tudo vir abaixo.

Ali, naquele momento, a sensação que Helena tivera mais cedo tornou-se real, muito real. Lá fora, uma escuridão surgia no horizonte, parecia parada em determinada área, não sobre a aldeia, mas dentro dela. Sentia-se viva, andando, respirando, um breu que não lembrava a noite, ao menos ela nunca tinha visto uma noite como aquela. Medo, pavor, terror, palavras que não conseguiriam expressar o que Helena sentira naquele momento.

De onde ela olhava, parecia algo que descia do céu como uma onda de seiva que desce de uma árvore e se espalha pelo tronco de maneira não-uniforme, só que negro, como um breu. De toda forma, ela tinha uma sensação que aquilo não era natural como a seiva de uma árvore, nem fabricado, como o piche. Infelizmente, a coisa não ficou parada por muito tempo. Logo, cobriu o céu e os limites da aldeia e seguiu aproximando-se, como se estivesse fechando, prendendo os habitantes sobreviventes dentro de sua área escurecida.

Helena suspeitava dos elfos, antigos inimigos de sua gente. E ela estava certa. O ato dantesco era obra dos desafetos do povo bruxo. Aquilo não tinha o intuito de assustar, de ferir, mas sim de matar, aniquilar. A onda de breu tomou todos os lados do bosque onde eles viviam. Brotava do nada e matava tudo: as árvores, os animais, a vida. Muitos morreram lutando contra algo desconhecido. Feitiços e porções não tinham efeito sobre aquilo. Todos se uniram e muitos foram sugados pelo estranho fenômeno.

Eles sabiam que aquilo não era natural porque foram alertados por meio de avisos. O que estava acontecendo era uma ação orquestrada pelos elfos, diziam as mensagens em suas cabeças. "Estamos aqui para destruí-los".

O que os elfos não sabiam, no entanto, era que os bruxos tinham um segredo: Helena.

Ela era a bruxa prevista numa antiga profecia que alertava para um período de luto e dor. Estava escrito que apenas uma feiticeira de cabelos e olhos negros como a noite sem estrelas poderia pôr fim à escuridão. E, por mais incrível que pudesse parecer, Helena soube exatamente o que fazer para impedir uma tragédia maior. Ela estancou a aceleração do breu dizendo palavras nunca antes ouvidas. Infelizmente, tudo o que ela pôde fazer foi parar o avanço do negrume, antes do fechamento completo.

Agora, os bruxos procuravam uma forma de viver depois da tragédia. A sociedade estava perplexa à espera de um novo ataque, embora esperassem que os elfos pensassem que todos haviam morrido. Assim, poderiam ser deixados em paz para a reconstrução.

O povoado estava com menos da metade da população antes do ataque. A maioria dos jovens ainda estavam aprendendo sobre os seus poderes. Os animais também pereceram quase por completo e a água era procurada nos lençóis freáticos profundos, já que o lago utilizado para abastecimento da aldeia ficava depois da parede de breu espesso, totalmente inalcançável.

A luz do sol entrava no bosque pela pequena abertura no negrume, onde a junção não se completara. Uma benção para não ocorrer a extinção completa de um povo.

— O que faremos agora? — Perguntou um jovem bruxo, que tinha uma expressão de perda no seu rosto. Ele, como muitos outros, ficara órfão quando seus pais tentaram parar aquela coisa de crescer. Quando mandavam mágica em direção ao breu, ele absorvia não só o feitiço como também aquele que o lançava. Dessa forma, um número incontável de bruxos fora sugado pela massa negra e desaparecera.

— Eu não sei, mas temos que pensar em algo rapidamente. Os poucos animais que ficaram presos conosco não durarão por muito tempo se nos alimentarmos de forma indiscriminada. — Respondeu Suzana.

— Vocês viram Helena? — Questionou Eric, o mais velho naquela roda de conversa.

— A última vez que a vi, ela tinha saído para o que restou da floresta. — Disse Suzana.

Helena meditava sobre a profecia que, até então, ela não acreditara nem por um segundo. Ainda não compreendera como sabia o que fazer, e se repreendia por ter demorado tempo suficiente para que a massa sugasse uma grande parte do seu povo. Você não tem culpa – dissera sua amiga Suzana. No entanto, Helena não tinha tanta certeza assim.

Fora educada para isso. Quando criança, não brincava com os outros meninos. Aprendia magia e feitiços dos mais variados e de alto grau de dificuldade, enquanto seus amigos apenas eram ensinados a derrubar frutas de uma árvore com o pensamento ou criar fogo por meio de encantamentos. Toda a sua vida fora assim.

Os elfos, inimigos milenares do seu povo, há muito não eram preocupação, pois viviam uma trégua assinada desde a sua última guerra, séculos atrás. Não sabia o porquê tinham feito aquele ataque tão covarde de forma abrupta.

Contudo, sabia que a sua gente precisava dela para se reerguer. Agora, ela acreditava na profecia piamente. Naquele antigo livro com capa de couro cru, dizia que ela seria a futura salvadora e líder do seu povo. Helena já havia sido uma salvadora — não tão boa, na opinião dela — mas tinha consciência que sem ela, nada teria restado. Não poderia negar o seu destino, chegara o momento de se tornar uma líder. Logo após, no seu devido tempo, ela se tornaria uma vingadora.



APÓS A ESCURIDÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora