Eu costumava almoçar no campo de flores atrás do colégio todos os dias, mesmo em finais de semana... Eu morava com meus pais e meus irmãos numa casa não muito distante do colégio, acho que eu caminhava todos os dias no máximo cinco minutos até chegar no colégio, e provavelmente dois minutos até chegar no campo de flores. Naquele campo, bem no meio, não havia flores, mas sim uma cerejeira. Depois de almoçar, eu gostava de deitar debaixo da cerejeira, escrever histórias, fazer lições de casa e tirar um cochilo antes das aulas que eu teria mais tarde. Não havia perigo, pois os guardas do colégio rodavam pelo local, já que o campo fazia parte da propriedade do colégio. Eu acreditava que aquela cerejeira era especial de alguma forma, talvez fosse apenas um pensamento bobo infantil mas eu sentia como se eu estivesse no meu próprio mundo quando eu ficava debaixo dela. Tinha uma atmosfera própria, o ar era mais leve, o aroma era delicado e agradável, e nem mesmo o vento fazia algum barulho por lá. Nunca questionei a razão daquele campo não ter sido removido e substituído por uma ala esportiva, já que meu colégio tinha apenas uma quadra para esportes. Ao invés disso, até construíram muros ao redor do campo, o que deixou a estrutura do colégio por fora meio estranha, mas preservaram a paisagem natural, e eu sou grata por isso. Quando eu e minha família nos mudamos pra essa cidadezinha, o terreno do colégio pertencia a um senhor rico que viajava pelo mundo, e como a cidade era pequena, ele não fez questão de manter posse daquele terreno, então a casa e o terreno foram comprados pelo atual dono do colégio onde estudo. Talvez o senhor que era dono desse terreno soubesse algo sobre essa cerejeira, ela deve ser bem velha, mas continua saudável e bonita. Os outros estudantes do colégio não costumam ir para o campo, talvez não achassem seguro ou não gostem de sentar em grama, o que deixa o campo só pra mim. Eu nunca fiquei no campo até a noite chegar, mas como a cidade era pequena, as estrelas brilhavam bem forte no céu. Eu gostaria de ficar pelo menos uma vez debaixo da cerejeira, e deitar enquanto olhava para as estrelas, deveria ser a melhor sensação que eu poderia sentir... Mas o tempo passou, e o colégio onde eu estudava não tinha classes de ensino médio, então tivemos que nos mudar para perto de algum colégio onde eu pudesse concluir meu ensino médio. Provavelmente jamais voltaria para aquela casa, e jamais teria o prazer de andar todos os dias sete minutos para poder visitar meu mundinho, meu lugar especial... Mas acreditava que aquela cerejeira fosse realmente especial, ela não morreria tão cedo, então eu estudaria muito e trabalharia duro para poder voltar para aquela casa, e trabalhar no meu antigo colégio, assim todos os dias eu poderia, por um tempo, deitar novamente debaixo daquela cerejeira especial e visitar meu mundinho de novo, mesmo agora sendo uma adulta. Assim, eu deixei de lado as memórias que eu tinha do tempo que eu passava naquele campo, fosse dormindo, descansando, lendo, escrevendo, fazendo as lições de casa ou até mesmo caminhando sozinha, enquanto pensava besteiras. Durante os três anos de ensino médio, meu antigo colégio foi comprado e acabou se tornando uma faculdade. Não poderia ser mais perfeito! Eu poderia voltar a morar na minha antiga casa, andar os velhos cinco minutos até o colégio, agora uma faculdade, e depois das minhas aulas poder andar mais dois minutos até o campo de flores, e almoçar debaixo da minha velha companheira, aquela cerejeira especial... Mas não foi assim que as coisas aconteceram. Durante meu ensino médio eu conheci pessoas novas, tive experiências novas, criei gostos novos, e minha personalidade havia mudado um pouco, não só por conta do novo colégio e casa mas pelo próprio tempo, afinal ninguém pode ser criança pra sempre. A questão era que a nova eu com dezoito anos não era mais a mesma garotinha de quatorze anos que gostava de sentar debaixo de uma árvore, no meio de um campo de flores, apenas para se isolar do mundo por um tempo. Quando fui me matricular numa faculdade, eu escolhi aquela que antes era meu colégio antigo por causa do nome que era muito bem reconhecido por ótimas formações, e já não lembrava que parte da minha infância e adolescência residia atrás daqueles prédios brancos e altos. Antes de começar o período de aulas, eu visitei a faculdade, afim de conhecer o espaço onde eu passaria boa parte dos meus próximos quatro anos. Enquanto um funcionário me guiava pelas instalações, eu pouco a pouco começava a lembrar do tempo que eu estudava no colégio que ficava ali antes da faculdade ser construída, e antes de ir embora eu resolvi dar uma volta pelo terreno ampliado para a construção de outros prédios da faculdade, e para a minha surpresa e felicidade, atrás do prédio principal, lá estava, depois de dois minutos de caminhada, o campo de flores, e no meio dele, a cerejeira ainda de pé- mas ela não era mais bonita como antes. Fui ingênua de acreditar que aquela cerejeira viveria para sempre, ela já devia ser bem velha, pela sua altura e extensão. Uma vez mais, eu caminhei pelo campo, me aproximando devagar da cerejeira, enquanto meus olhos se enchiam de lágrimas e meu coração com as memórias do tempo que vivi naquela casa, estudei naquele colégio, e passei tantas e tantas tardes debaixo de uma árvore que eu acreditava ser especial. A cada passo, a imagem da cerejeira ficava mais nítida, e meu coração doía mais um pouco, ao lembrar de como aquela árvore era, e como estava naquele momento. O campo, as flores, os guardas que vagueavam por lá, os muros velhos, tudo ainda estava lá, nada havia mudado, por que apenas meu cantinho especial havia sido afetado pelo tempo? A poucos metros de distância, eu olhava para cima, e notava nitidamente como os galhos estavam mais baixos e quebradiços, como as folhas de cor rosa tão forte havia mudado para um rosa tão desbotado, como ar debaixo dela não era mais tão leve, e os portões do meu mundinho- eu não conseguia mais vê-los, eles haviam se fechado para mim. Em frente a uma cerejeira velha, notavelmente em seus últimos anos de vida, eu me ajoelhei na grama e chorei desesperadamente. Ela estava aqui, sozinha, esquecida pelo tempo, enquanto o senhor que morava aqui inicialmente viajava pelo mundo, precisando apenas de alguém para notar como ela era bonita, como seu aroma era delicado e agradável, como o ar debaixo de seus longos galhos e folhas era mais leve que o normal, e como era ela especial, e quando eu a descobri, bem novinha, desde então eu sabia que ela não era uma árvore como as outras- ela era única, especial, mágica. Tanto tempo se passou desde que eu comecei a visita-la quase todos os dias que ela se apegou a mim, e eu me apeguei a ela, e quando eu a deixei, quando a esqueci- eu não tinha palavras para descrever como ela deve ter se sentido, abandonada novamente pela pessoa que ela considerava querida e mais preciosa. Eu estava matando-a. Durante três anos eu feri aos poucos a velha cerejeira, matando-a devagar, de tristeza, solidão, saudade... Como pude eu ter a coragem, depois desses três anos cruéis que eu fiz ela passar, de voltar lá e esperar que tudo estivesse igual como era antes? Eu sinto muito... Sem perceber, aos poucos eu fui matando aquilo que eu considerava mais precioso, eu não tinha o direito de voltar lá, assim como provavelmente o senhor que morava por lá muitos anos atrás não tinha o direito de voltar, depois de abandonar seu tesouro mais precioso para viajar pelo mundo por tantos anos, aproveitando a vida proporcionada pelo seu dinheiro, e deixando a velha cerejeira morrer lentamente. Não adiantava mais chorar, o tempo não para, muito menos volta atrás por razões egoístas como a minha e provavelmente a daquele senhor. "Eu estou aqui agora, para novamente te visitar todos os dias, deitar debaixo de seus longos galhos e encontrar novamente meu lugar feliz. Nada jamais voltará a ser o mesmo, mas faz parte, o tempo não para para nenhum de nós, velha companheira... Eu estou de volta.". Quatro anos se passaram, eu me formei em biologia, e consegui o emprego de professora na faculdade onde me formei. Conheci um rapaz na minha turma que mais tarde conquistou meu coração e aos meus vinte e cinco anos me pediu em casamento. Compramos aquela casa velha onde cresci e reformamos para morarmos felizes nela. Aos vinte e sete anos, dei a luz a uma menininha linda que chamamos de Juliana. No seu aniversário de sete anos, ela pediu de presente de aniversário para que levássemos ela ao lugar onde seus pais trabalhavam, e assim fizemos. Depois de cinco minutos caminhando, chegamos na faculdade e mostramos para ela a maioria das instalações da faculdade. Estávamos prestes a ir embora, quando Juliana pediu para darmos uma volta na parte de trás da faculdade. Dois minutos de caminhada depois, chegamos ao grande campo de flores, onde ela correu como nunca tinha corrido antes, pulando e rindo, como uma criança no seu dia mais feliz. Seguimos Juliana até o centro do campo, onde ela parou em pé olhando pra cima de boca e olhos bem abertos, e na sua frente, a cerejeira de tantos anos atrás, viva, saudável e com cores vivíssimas! Juliana disse, entusiasmada: "Mamãe, olha que linda! Ela é tão rosa, cheirosa, bonita...! Ela é uma árvore especial?", e eu, com os olhos enchendo de lágrimas, respondi: "É sim filha, ela é uma cerejeira especial...".