Capítulo 1

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Amazonas, 1907

Um sol forte penetrava por entre as frestas das folhas, fazendo com que seus raios iluminassem algumas gotas de chuva que ainda teimavam em permanecer nas plantas como um brilho de cristal. Diferente de São Paulo onde tudo parecia tão sofisticado e imponente, aquele lugar parecia conservar uma simplicidade deslumbrante. O verde vivo, o cheiro de terra, os rios ao redor, o canto dos pássaros, tudo isso era incrivelmente bonito. Em outras circunstâncias, Isabel teria amado a viagem, mas sabendo que estava prestes a se casar com um homem que não amava, nem sequer conhecia, aquele lugar parecia estranho.

Tudo que sabia sobre seu noivo era que ele possuía uma fortuna considerável. Seu negócio tinha alguma coisa a ver com a importação da borracha, de um látex que era extraído de uma árvore chamada seringueira. A verdade é que Isabel não entendia nada sobre o assunto e não nutria muito interesse por economia. Não lia jornais. Preferia uma boa dose de romance.

- Minha nossa, será que não chegaremos nunca? - quis saber Lúcia, lutando para manter o equilíbrio.

- Como a senhora pode ver, mamãe - replicou -, o carro não passaria aqui. Mas a senhora não deveria reclamar, nem está levando nossas valises!

À frente delas, criados levavam seus pertences. Finalmente um deles parou e, sorrindo, indicou-lhes a casa. A construção era grande, porém simples e rústica. Lúcia não pareceu muito satisfeita.

- Não se preocupe, querida - sussurrou no ouvido da filha -, quando vocês estiverem casados, estou certa de que irão morar em São Paulo.

Isabel mostrou um meio sorriso. Como muitas de suas amigas, ela já imaginava que seu marido compraria uma casa em São Paulo, deixando-a sozinha, com a desculpa dos negócios, enquanto provavelmente estaria se divertindo com outras. Afinal, aquele casamento era apenas para unir o nome das famílias, pois enquanto Ricardo não possuía um sobrenome nobre, a viúva e a filha quase não possuíam um vintém.

Ambas subiram os poucos degraus até chegarem à entrada da casa. O assoalho de madeira rangeu ligeiramente quando os sapatos das duas damas pisaram sobre ele, como se anunciasse a chegada delas. Uma mulher já idosa as recebeu, pediu que os criados deixassem as malas num canto das escadas, enquanto a esperava, pois iria acomodar as visitas. Levou as moças até a sala, indicou-lhes o sofá e ofereceu algo para comer e beber.

- Sim - aceitou Isabel de pronto, estava morrendo de fome e de sede.

- Não - Lúcia deu um tapinha na mão da filha com o leque que vinha segurando a viagem inteira.

- Mas eu estou com sede e com fome, mamãe! - objetou Isabel.

- Bem - Lúcia abanou uma das mãos no ar -, água então!

- Trarei algo para as duas - disse a mulher e piscou com cumplicidade para Isabel.

Não muito tempo depois, a mulher trazia um prato com biscoitos e dois copos de leite. Apesar de relutante quando a filha se manifestou a respeito de aceitar comer algo, acabou cedendo e se fartando.

- Pedirei que os homens levem seus pertences para seus respectivos quartos. O patrão fez questão de mandar arrumá-los especialmente para as senhoras.

- Oh, há coisas muito frágeis em uma das valises... Deixe-me ir com você! - Sussurrou para a filha: - Não se pode confiar nesses índios, não é mesmo?

Isabel meneou a cabeça de modo negativo e deixou que sua mãe atormentasse a pobre senhora com seus acessos. Levantou-se do sofá e contemplou o ambiente de forma mais minuciosa. A mesa de centro por cima era revista de vidro, mas era sustentada por pernas de madeira. Havia quadros pendurados á parede com pinturas disformes. Ela caminhou até a janela e debruçou-se sobre ela. Um passarinho verde voava de encontro a outro. Quando ambos se acharam sobre o tronco da grande árvore, começaram a cantar, emanado um lindo som. Sentiu inveja daquela liberdade. Queria ser uma ave, voar, fazer suas próprias escolhas, ter alguém para arrancar dela aquela melodia tão sincera e cheia de amor.

Potyra (Conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora