Minha mãe sempre diz que se algo de ruim aconteceu no seu dia e você fica "prevendo" que o resto dele vai ser pior, ele realmente é.
Lembro-me muito bem da primeira vez que ouvi isso.
Eu tinha uns dez ou onze anos. Nunca fui do tipo que ficava trancafiada em casa criando A sociedade das Barbies, sempre gostei das brincadeiras de "menino", como futebol, carrinho de controle remoto e essas coisas que dizem que meninas não podem brincar. Eu estava toda feliz brincando de pique-esconde com os meus vizinhos, quando fui correr para me esconder, escorreguei em uma garrafa pet amassada e caí com a cara no chão. Perdi um dente - de leite, graças a Deus (ou a minha idade) - fiquei com a cara toda arranhada e toda roxa. Fui reclamar pra minha mãe, falei que meu dia tinha sido horrível e ela veio com aquele "Ah, mas ainda são 15:45, vai melhorar" e eu, trouxa, acabei acreditando. Tudo estava colorido novamente. Na hora do jantar ela me deixou tomar meu sorvete preferido e assistir à televisão, comer na sala era um milagre. Subi as escadas correndo, cantarolando de alegria a cada degrau, mas, quando eu cheguei no topo da escada, tropecei nos meus pés e meu sorvete voou da minha mão e caiu inteirinho no chão. Desde então, tento ser a pessoa mais realista do mundo: quando as coisa têm que dar errado, elas dão.
Bom, era nisso que eu estava me segurando agora, tudo tem um motivo.
Era pro Hugo ter beijado o meu destruidordecelulares.
Era pra eu ter visto.
A voz de Fernando me desperta.
- Aura?
- Eu ainda gosto dele, Fê... - sussurro
- Vem, vamos sair daqui.
Ele puxa meu braço e eu continuo os olhando.
Hugo percebe e olha diretamente pra mim. Ele se levanta, mas eu dou as costas pra ele, para aquilo tudo.
- Aura, tá tudo bem?
- Tá sim... é que aquilo foi totalmente inesperado - forço um sorriso.
- É... foi mesmo - diz ele, me abraçando - Não fica assim, sei que é meio clichê, mas vai passar.
- Ah... eu sei, sempre passa.
Caminhamos em silêncio até o ponto de ônibus.
Minha cabeça estava a mil, mas eu ia guardar tudo pra quando eu fosse dormir. Era melhor assim.
Quando cheguei em casa, ignorei as perguntas animadas da minha mãe e depois ignorei as brigas pelo troço no meu nariz.
Subi pro meu quarto, me joguei na cama e fechei os olhos.
Um motivo pra ir pro intercâmbio: fugir disso.
Eu só conseguia pensar naquele beijo.
Hugo 1/destruidordecelulares 1/Aurora 0.
Nunca pensei que seria trouxa. Na verdade, a gente é trouxa porque quer.
Às vezes as coisas são tão previsíveis pra mim, mas isso foi totalmente inesperado.
Fico pensando se o que eu sinto por Hugo é realmente sentimento ou atração. Mas como se sentir atraída por alguém que te traiu, te machucou?
Ahh...
O bipe no meu celular me tira a concentração.
Desconhecido: Ei branquinha...
Desconhecido: A gente pode conversar?
Só uma pessoa me chamava assim: Hugo.
Aurora: Ah Hugo, me deixa em paz!
Hugo: Eu preciso te contar umas coisas, por favor...
Aurora: Pode falar, ué
Hugo: Pessoalmente?
Aurora: Afff!
Aurora: Quando?
Hugo: Agora, olha sua janela.
Me levantei lentamente, atrasando o inevitável. E, como era esperado, lá estava ele.
A unica coisa que eu queria fazer era pegar todos os meu livros e jogar pela janela até que ele morresse.
- Mas que merd...
- O assunto é sério - diz ele, sorrindo.
- Sobe logo.
Ele fazia muito isso quando namorávamos, já está acostumado.
Quando ele entra, me apresso pra fechar a janela.
Sento-me na cama e espero a explicação.
- Então?
Aqueles grandes olhos azuis me observam.
Cabelo solto e molhado, a blusa branca destacando muito bem seu tom de pele.
Sem detalhes, sem detalhes.
- Desculpa pelo que você viu hoje... - ele passa a mão no cabelo - É que eu precisava te contar uma coisa...
- Pode falar.
- É que... - ele suspira - Eu sou gay.
Eu não sei o que falar, pensar.
- Mas... e o que a gente teve?
- Sim, eu sei que a gente namorou bastante tempo...
- Olha, não tem nenhum problema em ser gay. Mas que porra é essa?
- Desculpa... sério.
- Primeiro você finge que gosta de mim e agora beija o menino que eu to afim. Mas que merda...
- Deixa eu explicar... - diz ele, envergonhado - Eu precisava disso, eu precisava saber o que eu queria. Eu me apaixonei por você, mas eu percebi que eu não gostava daquilo. Eu não fazia a minima ideia de que você conhecia o Luiz...
- As duas pessoas que eu supostamente tenho um quedinha são gays. Valeu, mundo!
- Você tem uma quedinha por mim?
- Claro! - digo, apressada- Quer dizer... tinha.
Ficamos conversando por mais um tempo.
Falamos até sobre Angels do The xx, musica do nosso relacionamento.
Como eu sentia falta disso.
Depois de entender o lado do Hugo, a raiva passou.
- Bom, agora eu tenho que ir. Passa um dia lá na loja pra gente conversar mais.
- Vou passar sim!
- A propósito, o Luiz não é gay, ele é bi. Pode ficar, foi só um casinho - ele pisca pra mim e vai embora.
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Oceans
RomanceAurora está no auge da adolescência, revoltada com tudo e todos, sempre achou sua vida monótona, ultimo ano na escola e não aguentava mais sua rotina. Quando pensou que não podia piorar, seus pais começam com a história de que ela deveria "viver n...