Capítulo 2.

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Queria que algo no mundo fosse capaz de explicar o que aconteceu conosco, Stuart. Mas como não encontrei nada que fosse tão absurdo e inacreditável como o nosso (quase) romance perfeito, me dou como satisfeita escrevendo isso a você.

Você sempre reclama que eu começo as coisas do jeito errado, então resolvi começar onde as coisas começaram a mudar. Muitas coisas aconteceram antes, é claro. Mas você (sendo como é,) com certeza não se lembra. Nós éramos da mesma escola e é claro que eu já havia notado a sua presença, mas isso nunca importou. Você era indiferente pra mim.

Eu acordei com uma das meninas me ligando, e mesmo sabendo que eu não me interessaria pelo que ela tinha a dizer, resolvi atender.

—ALICE!

Eu a xinguei mentalmente pelo maldito grito, enquanto tentava manter a calma. Péssimo jeito de começar o dia.

—Fala.

Minha voz exalava desanimo, o que era de se esperar. Afinal, quem fala tão alto àquela hora?

—Falei com as garotas e nós achamos que você anda muito triste, precisa se animar. Que tal ir naquele jogo hoje?

Elas achavam que eu era triste? Qual é. Ficar em casa assistindo alguns filmes, colocando séries em dia ou qualquer coisa do tipo ao invés de fazer aquelas coisas extremamente dispensáveis que elas adoravam fazer (como fofocar como garotos que praticam esportes eram TÃO mais sexys só porque tiram a camisa quando está calor) não era ser triste, era ter bom senso.

—E o que te faz pensar que eu vou a esse jogo banal?

—Ah, todos aqueles gatinhos correndo atrás da bola não parece uma ideia encantadora?

Olhei a minha volta. Meus livros revirados no canto direito do quarto, consequência da minha busca por uma nova ocupação. Do lado esquerdo alguns papéis com palavras sem graça, devido à falta de inspiração. Minha cama abarrotada de roupas que eu coloquei em uma tentativa frustrada de me animar a sair de casa. A redação que eu precisava entregar pro Sr.Smith pra fechamento de notas não continha uma palavra sequer.

É claro que "gatinhos correndo atrás de bola" não parecia uma boa ideia, (garotos nunca são uma boa ideia) mas eu precisava mesmo sair daquele quarto se eu quisesse inspiração para a redação que eu precisava entregar para o fim do ano letivo.

—Ótima ideia, vocês passam aqui às...?

É claro que era uma péssima ideia, Stuart. Eu nunca soube nada sobre futebol, e sinceramente, nunca tive vontade de saber. Eu era nova na cidade, mas já sabia que tudo ali funcionava de forma extremamente robótica. As garotas (incluindo as com que eu falava), não eram diferentes. Todas exatamente iguais e com estereotipo de Barbie, do tipo que é fácil de atrair com dinheiro, ou com um sorriso qualquer.

Eu sempre tentei a todo custo ser diferente, porque ser diferente me fazia sentir única. Mas no fundo, eu era bem mais igual do que gostaria. Passei horas e horas pensando no que vestir e no que as pessoas achariam de cada uma das roupas. No fim acabei me atrasando (como sempre) e colocando a primeira roupa que vi pela frente. 

O jogo estava horrível, por diversas vezes eu pensei no quanto eu me sentia enjoada por ter me entregado a tal banalidade. A torcida (em maioria feminina) parecia discordar de mim, já que os gritos quase rompiam meu tímpano.

Mas foi nesse instante que você mudou tudo. Acho engraçada (e meio desconcertante) a forma como você faz tudo virar de cabeça para baixo. O jogo estava uma droga, minha cabeça doía e eu repetia pra mim mesma várias vezes o quão fúteis aquelas garotas eram. E no meio a tanto desgosto, enjoo e futilidade, você me sorriu. É claro que não foi exatamente pra mim, mas, bem... Você sorriu pra arquibancada, e eu estava lá. Eu estava lá bem em linha reta com aquele seu sorriso, que parecia emanar algum tipo de feitiço ou coisa do tipo. Por um milésimo de segundo, eu esqueci as barbies (quase) humanas que estavam ao meu lado, esqueci o barulho ensurdecedor, me esqueci até mesmo do cheiro de suor que parecia ocupar todo o espaço daquele lugar.

—Esse já é meu.

É claro que isso só durou um milésimo de segundo, já que ela acabou com os fogos (ou era só meu coração batendo muito rápido?). "Ela quem?", você me pergunta. O fato é que eu quero evitar qualquer nome, pra que você possa notar que nós é que éramos os protagonistas dessa história.

Àquela época, ela era minha amiga. Não que nós não pudéssemos viver uma sem a outra ou coisa e tal, mas éramos amigas suficientemente pra não entrar em uma disputa infantil por um garoto que além de metido a galã era péssimo jogador. Não que eu quisesse disputar por você, não fique convencido. Eu só não queria estar no caminho de ninguém.

—Todo seu, querida.

Foi ai que eu levantei e saí andando, imersa em algum sentimento estranho e intrigante. Eu só queria chegar em casa e me aterrar no cobertor, rezando pra nunca mais esbarrar em você. Assim que saí do campo a chuva resolveu selar aquele dia magnífico. Pensei em chamar um táxi, mas percebi que a carteira havia ficado em casa. Pensei em sair correndo, mas lembrei de que minha casa ficava do outro lado da cidade. Pensei em entrar e implorar que as garotas me levassem de volta pra casa, mas não queria ver aquela menina novamente, nuca mais. Então apenas sentei na porta de uma loja ao lado do campo, que provia de um toldo azul que me protegia razoavelmente da chuva.

Eu passei um bom tempo lá antes que as pessoas começassem a sair. Até que você veio em minha direção, e eu fiquei paralisada. Você começou a rir e tudo que eu pude pensar é "onde é que tá sujo?". Algumas meninas te pararam no meio do caminho, mas você não parecia estar prestando atenção.

—E aí, ruiva? Acho que você está meio molhada.

—E eu acho que não é da sua conta.

—Uol, geralmente as pessoas não falam assim comigo.

—Não estava preparado pra minha resposta, meu bem? Sinto muito.

—Porque tá na defensiva ruiva? Como você deve ter percebido, ataque não é a minha posição.

—Eu tenho um nome, e é Alice. E sinceramente? Não sei qual é a sua posição, mas com toda certeza qualquer um jogaria melhor que você na posição que fosse.

E foi aí que você sorriu. Aquele seu sorriso destruidor que quase grita "SE APAIXONE POR MIM". Mas é que esse seu sorriso lindo só enfatiza mais o quanto você é encrenca, e das grandes. Você é meu maior erro, mas desde aquele dia eu só acerto com você.

Eu poderia ter saído correndo e gritando socorro, na chuva mesmo. Eu poderia ter te ignorado ou gritado "OLHA O TARADO", mas não o fiz. Acho que foi nesse instante que eu te deixei entrar. O que eu não sabia é que você iria entrar e fazer morada aqui. Eu não fazia ideia de que você ia tomar conta das coisas aqui dentro de tal maneira. E sorte a sua que eu não sabia, Stuart. Porque a ideia de alguém me tendo em mãos como você me teve chega a doer o fundinho da alma. Se eu soubesse da metade do estrago que você faria aqui, eu sairia correndo pra algum lugar bem longe daqui. Um daqueles lugares pelos quais você nunca passaria, por nada no mundo.

Te conhecer foi como pular de um abismo e nem ter tempo de rezar para que algo me segurasse lá em baixo. Você foi meu abismo e eu sempre tive medo de altura. Eu demorei a me entregar a você, mas quando me permiti tudo aquilo, me joguei de cabeça e acabei com um belo de um traumatismo craniano.

Acho que o real motivo pra eu nunca ter reparado em você antes daquele dia Stuart, é que você me assusta. Você chega como quem não quer nada, e me leva tanto nas suas ideias que eu mal sei voltar pras minhas. Você é tipo o lado bom de tudo aquilo em que eu sou péssima. É o tipo de menino do qual minha mãe sempre implorou para que eu me mantesse afastada. Eu só podia pensar no quanto você era cafajeste e no quanto eu sempre odiei homens como você. Eu odiei desde o inicio o seu sorriso e o seu jeito de jogar o cabelo. Seu perfume forte e seu jeito de andar. Mas você, com esse jeito todo errado me ensinou (com todo o desengonço do mundo) que não tem nada mais próximo ao ódio que o amor.




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