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BAILE
Eu já estava há um bom tempo parado olhando para o nada. No meu ouvido, Cazuza cantarolava “Brasil”. Olhei para o iPad no meu colo. Um monte de letrinhas olhavam de volta para mim. Miúdas, chatas e cansativas. Tentava me acostumar aos famosos livros eletrônicos. A tarefa não era das mais fáceis, sempre adorei os livros de papel. Abaixei um pouco o volume da música e dei uma ajeitada nos fones, pois eles começavam a me incomodar. Nunca consegui passar muito tempo ouvindo música com fones de ouvido. Ler e ouvir música ao mesmo tempo era um hábito antigo, mas a música precisava vir de uma fonte distante, não ficar reverberando dentro da minha orelha.
Olhei o relógio. Dezesseis horas de uma quinta-feira abafada e calorenta. O mês de agosto já havia começado há dez dia. Embora estivéssemos oficialmente no inverno, o calor tomava conta da cidade. Dentro do ginásio do colégio, onde eu estava, a temperatura não era melhor. O teto metálico fazia com que a gente se sentisse numa lata de sardinha, não pelo aperto, e sim, pelo desconforto. Bem, não sou uma sardinha, mas cá pra nós, não deve ser nada agradável ficar enlatado.
Com dezessete anos, cursava a terceira série do ensino médio. Era um adolescente típico de uma cidade mediana. Estudava na melhor escola particular do município, tinha uma vida até confortável – não era rico, quero deixar bem claro –, mas também não era pobre. E como todo jovem da minha idade, vivia atolado em dúvidas, medos e angústias. Na verdade, sempre fui do tipo ansioso. Quando metia alguma coisa na cabeça, aquilo ia criando raízes e ficava lá por um bom tempo. Ou para sempre, sei lá. Quando criança, decidi que seria jornalista. Ao contrário dos meus colegas que viviam mudando de sonhos, eu continuei com o Jornalismo na cabeça por toda a vida.
Incomodado com a leitura eletrônica, desisti do livro. Desliguei o iPad e o guardei na mochila. Movi a cabeça para um lado e para outro, tentando relaxar os músculos.
- Isso aqui tá parecendo um barracão de escola de samba – comentou a garota à minha direita, era a Júlia, minha melhor amiga.
Fechei o zíper da mochila, olhei pra Júlia. Seus cabelos vermelhos, ressaltavam o branco de sua pele. O olho azul, marcado pela maquiagem escura a deixavam com um ar meio punk de boutique. Girei o rosto seguindo a visão da Júlia. Meus amigos e eu estávamos sentados no ponto mais alto da arquibancada do ginásio da escola. Lá embaixo, um grupo de alunos corria para lá e pra cá, pregando flores, faixas e balões azuis e brancos pelo local. Comandando aquela muvuca, estava a Jéssica, a garota mais popular, mais magra, mais loira, mais bonita (na opinião dela) e mais chata do terceiro ano.
- De onde ela copiou essa decoração? – quis saber a Júlia.
- Acho que o mau gosto é dela mesmo. Imagina se essa garota ia copiar isso de alguém. Ninguém é tão brega assim – disse o Caio, meu outro amigo, sentado à minha esquerda. – Olha pra esses balões. E essas flores de papel? Meu Deus, isso é a visão do inferno! – concluiu o Caio, sempre com seu ar debochado.
Apoiei a mochila nos meus pés e passei a observar com mais cuidado a cena. De fato, a coisa estava, digamos, exagerada. Poderia ser pior, claro. Vindo da mente fútil da Jéssica, era de se esperar um festival rosa bebê. Aí, sim, o mundo estaria condenado.
- Eu acho até que as cores estão harmônicas – falei.
- Nada contra as cores, aliás, o azul e o branco ficam lindos juntos, mas o babado que está me deixando apavorado é a forma como essas cores são usadas. Esses arranjos, essas flores... – o Caio fez uma careta. – Credo. É de dá medo.
Com sua pele morena sempre muito bem cuidada, o cabelo impecavelmente alisado e no lugar, a vaidade elevada ao extremo, o Caio exigia sempre de todo mundo algo perto da perfeição. A Jéssica, rotineiramente, era o alvo principal de sua acidez. Às vezes, ele exagerava; mas, na maior parte do tempo, tinha razão.
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NÃO EXISTE AMOR ERRADO Cap. 01
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