DEGUSTAÇÃO | Prólogo - Eu não sou perseguidora

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'"Wir zogen zu weit aus,
dein Herz bricht alle Schranken.

was uns jetzt noch führt

ist der Abgrund, den wir fanden."

November- Faun

Fomos longe demais
Seu coração quebra todas as barreiras.

O que agora nos leva

É o abismo que encontramos.


Eu o estou vendo pela janela.

A forma como ele se mexe de acordo com cada nota da música irlandesa que toca, em alto e bom som, no estúdio de dança, é divino. Ele é lindo. A forma como ele consegue refletir apenas com o corpo as notas da música é a coisa mais magnífica que eu já vi. E olha que já vi de tudo.

Eu sei, eu não deveria estar espiando pela janela. Mas ele não me notaria, nem que quisesse. Não sou uma pessoa que não confia em si mesma e que sofre de baixa autoestima. Ele realmente não me notaria. Além disso, esse é um dos dons que possuo. É, posso ficar invisível sempre que quiser.

Sei que não deveria ficar espionando as pessoas e realmente não gosto de fazê-lo. Talvez seja por isso que sou chamada de ovelha negra. A decepção de toda a família.

Você ainda não conhece a minha família e nem a mim. Mas, se você já viveu algum momento extremamente feliz, digno de guardar em uma caixinha, alguém o presenciou, um tio, primos ou até mesmo meus pais, quem sabe? Você deve estar confuso, então deixe-me explicar logo.

Me chamo Maeve MacCleury, tenho vinte e dois anos. Sou a filha caçula de Brendon e Caylie MacCleury. Somos descendentes de uma gigantesca e antiga família tradicional irlandesa. Sou a quinquagésima geração de "guardiões da Felicidade", ou, como nossos ancestrais chamavam, "Crainn Chiara", o nome que os Deuses deram para a árvores da Felicidade. Ah, já ia me esquecendo, tenho dois irmãos gêmeos.

Nós somos responsáveis por armazenar momentos de extrema felicidade em globos de vidro, parecida com as bolas de Natal que vocês utilizam para enfeitar suas árvores. Algo que foi copiado de nós, celtas, diga-se de passagem. Esse momento fica guardado durante o ano ou "período de armazenamento", e apenas na véspera de Natal nós os colocamos nos galhos de um enorme pinheiro escocês. As bolas com as memórias ficam fixadas nos galhos das árvores, sem ajuda de nenhum objeto, se elas fossem atraídas para os galhos do velho pinheiro.

Quando o relógio bate à meia noite, elas se elevam dos galhos e explodem em luzes capazes de iluminar um quarteirão inteiro. É uma cena linda de se ver. Os pigmentos de luz são absorvidos pelas folhas do pinheiro, que leva, através de sua raiz, felicidade e alegria para todo mundo.

Já percebeu que, sempre que chega o Natal, uma felicidade entra em nossos corações? Felicidade essa que nos prepara para encarar mais um ano.

Então, os ancestrais da minha família acreditavam que as raízes das árvores do mundo estão todas conectadas e, quando o pinheiro absorve esses momentos, as demais árvores recebem um bocado desse sentimento, liberando-o juntamente com oxigênio. E, enquanto o pinheiro viver, o mundo continuará sendo um lugar bom e harmônico para todos.

Mas, conforme as décadas foram passando, as civilizações foram ficando mais sérias, mais egoístas, momentos de felicidade reais estavam se tornando escassos, assim como as árvores e todas as plantas. Numa tentativa desesperada de voltar a espalhar a Felicidade novamente, meu tataravô decidiu mandar quatro dos seus cinco filhos para outros continentes. E cada um ganhou uma muda do pinheiro, que posteriormente, foi plantada no jardim de cada um dos seus filhos. Nosso bisavô veio para o Brasil, um lugar quente, mas que, em meio a tanto sofrimento, conseguíamos achar momentos maravilhosos de felicidade.

FELICIDADE INVISÍVELOnde histórias criam vida. Descubra agora