Capítulo 1

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JAKOB HAARHUIS
Professor de História japonesa
na Arnold Rusoff Universidade de Nova Iorque 1
Imagine que estávamos os dois sentados numa sala silenciosa com vista para um jardim, a conversar e beberricar das nossas taças de chá verde enquanto falávamos de algo que tinha acontecido há muito tempo, e eu lhe dizia: «Naquela tarde quando encontrei fulano... foi a melhor tarde da minha vida, e também a pior.» Calculo que pousaria a sua chávena para dizer: «Bom, então foi o quê? A melhor ou a pior? Porque é impossível que tenha sido as duas coisas!» Normalmente, ter-me-ia rido de mim e concordado consigo. Mas a verdade é que a tarde em que conheci o Sr. Tanaka Ichiro foi de facto a melhor e a pior da minha vida. Achava-o tão fascinante, que até o cheiro a peixe nas mãos dele me parecia uma espécie de perfume. Se nunca o tivesse conhecido, tenho a certeza de que nunca me teria tornado numa gueixa.
Eu não nasci nem fui criada para ser uma gueixa de Quioto. Nem sequer tinha nascido em Quioto. Sou filha de um pescador de uma pequena cidade chamada Yoroido no Mar do Japão. Em toda a minha vida podem contar-se pelos dedos de uma mão as pessoas a quem alguma vez falei de Yoroido, ou da casa em que cresci, ou sobre a minha mãe e o meu pai, ou a minha irmã mais velha - e de certeza que nunca sobre a maneira como me tornei uma gueixa, ou o sobre o que era ser uma gueixa. A maior parte das pessoas preferiria continuar a alimentar as suas fantasias de que a minha mãe e a minha avó teriam sido gueixas, e de que eu começara o meu treino na dança assim que desmamada, e por aí fora. De facto, um dia, há muitos anos, estava a deitar saqué numa taça para um homem que, por acaso, mencionou que tinha estado em Yoroido apenas na semana anterior. Bom, senti-me como se deve sentir um pássaro quando voou a atravessar o oceano e encontra uma criatura que lhe conhece o ninho. Fiquei tão chocada que não consegui impedir-me de dizer:
-Yoroido! Curioso, foi aí que cresci!
0 pobre homem! A cara dele passou pela mais notável série de transformações. Fez o seu melhor esforço para sorrir, embora não lhe tivesse saído bem porque não conseguia apagar da cara a expressão de choque.
- Yoroido? - disse ele. - Não pode ser.
Há muito que, com a prática, eu desenvolvera um sorriso a que chamo o meu «sorriso Nô», porque se assemelha a uma máscara de Nô, de expressão gelada. Tem a vantagem de os homens o poderem interpretar como quiserem; nem imaginam quantas vezes confiei nele. Decidi que o melhor era usá-lo exactamente naquela altura, e claro que funcionou. Ele expirou todo o ar e emborcou a taça de saqué que eu lhe havia enchido antes de dar uma estrondosa gargalhada, que tenho a certeza foi suscitada mais por alívio do que por qualquer outra coisa.
- Mas que ideia! - disse, com outra enorme gargalhada. - Tu a cresceres numa pocilga como Yoroido. É como fazer chá num balde! - E depois de se ter rido outra vez, disse-me:
- É por isso que és tão divertida, Sayuri-san. Às vezes quase me fazes acreditar que as tuas gracinhas são verdade.
Não gosto muito de pensar em mim como uma chávena de chá feita num balde, mas acho que, de uma certa maneira, pode ser verdade. Apesar de tudo, cresci mesmo em Yoroido, e ninguém poderia dizer que se trata de um lugar encantador. Aliás, muito dificilmente alguém o visitaria. Quanto às pessoas que lá vivem, nunca têm a oportunidade de partir. Provavelmente estão a pensar como é que eu própria consegui vir-me embora. E aí que começa a minha história.

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