O Morador Indesejado

8.5K 394 219
                                    

A cidade onde morava não era muito grande. Todas as pessoas se conheciam, e isso costumava incomodar muita gente.

Tinha o lado bom e o ruim, mas eu nunca me incomodei com isso.

Há algumas quadras de onde eu morava tinha uma casa muito peculiar, que imitava um castelo medieval, e que me chamava muito a atenção.

Gostava de passar na frente dela e admirá-la, sempre que tinha a oportunidade. Tanto por ser diferente das outras casas convencionais como por imitar um castelo, algo que não existia por lá.

Pesquisei um pouco sobre ela, o conhecido "Castelinho", e descobri que ela tinha sido construída pelo bisavô do rapaz que nela morava, naquela época.

Moravam ele e a esposa, com quem eu não mantinha amizade. Os conhecia apenas de vista, mesmo ele morando relativamente próximo de mim.

Como era uma cidade pequena, algumas pessoas os conheciam e a maioria delas comentava que o rapaz não era muito sociável, principalmente depois de um acidente que tirou a vida do filho dele. Após o ocorrido o comportamento dele mudara radicalmente.

Certa vez, em uma festa de aniversário, surgiu o assunto do "Castelinho", como a casa era conhecida, e eu comentei que gostava muito dele e que algum dia ainda iria morar lá.

Lembro que um amigo brincou comigo dizendo que isso só aconteceria quando eu estivesse bem velho, depois que o casal morresse, isso se o restante da família quisesse vendê-lo.

Ninguém levava muito a sério a ideia de um dia eu conseguir morar nele.

Mas a vida seguiu. Passaram-se alguns anos e o casal faleceu de uma forma bastante misteriosa. Ambos foram encontrados mortos na cama, como se estivessem dormindo. Mais tarde descobriu-se que tinham sido vítimas de envenenamento, mas nunca se descobriu os reais motivos disso ter acontecido.

Obviamente os parentes do casal não quiseram mais morar no "Castelinho" e ele foi posto à venda. Foi quando tive a oportunidade de realizar meu sonho. Será que fiquei triste?

Entrei em contato com os familiares do falecido, vendi a casa onde morava e logo eu já estava morando naquele belíssimo imóvel.

Meus amigos ficaram felizes por mim, mas alguns parentes meus ficaram ressabiados por causa da estranha morte do casal.

Sinceramente não me importei muito com aquilo, nunca acreditei em fantasmas ou alguma coisa assim e, ainda que acreditasse, estava tão feliz por ter realizado meu sonho que nada me abalaria. Na verdade não vi problema algum em morar lá.

O lugar realmente era admirável. Portas e janelas no estilo medieval, paredes com tijolos a mostra e piso em mármore. Um imóvel construído por uma pessoa excêntrica, para pessoas excêntricas, como eu.

Infelizmente eu passava o dia todo no trabalho e somente aos finais de semana eu podia admirar toda sua beleza. A luz do sol irradiando através dos vitrais proporcionava uma atmosfera ímpar àquele lugar.

Mas não levou muito tempo para que as coisas começassem a ficar esquisitas.

Certa noite eu acordei com a nítida impressão de que tinha alguém me observando. Levantei e procurei pela casa toda temendo que pudesse ser um ladrão, mas não encontrei ninguém.

Essa estranha sensação se repetiu dia após dia até que comecei a ouvir, também, estranhos sons de passos e de coisas caindo em diversos cômodos do "Castelinho".

Nunca encontrei ninguém, sempre me certificando de que as janelas e as portas estivessem trancadas.

Mas meu pesadelo estava só começando.

Uma noite acordei com o choro de uma criança. Fiquei a noite toda acordado e perambulando pelo "Castelinho", mas o enigmático choro parecia mudar de lugar enquanto eu procurava seu autor e eu nunca o encontrei.

Nas noites seguintes o choro continuou, mas dessa vez era uma mulher quem chorava. Não pude dormir a noite toda e no dia seguinte eu parecia um zumbi. Já era a segunda noite que eu passara em claro.

Durante algumas noites o choro prosseguiu, sem que eu conseguisse dormir, até que numa delas o choro foi trocado por uma diabólica risada masculina.

Como um louco eu perambulava pelos cômodos da casa procurando quem me atormentava, sem nunca encontrar.

Riso e choro, noite após noite, e eu não conseguia mais dormir.

Nunca tinha acreditado naquele tipo de coisa e me recusava a comentar com alguém sobre aquilo tudo. Poderiam achar que eu estava louco.

Aquela bizarra rotina já estava afetando meu desempenho no trabalho. Era nítido que eu não estava bem e meu chefe resolveu me dar algumas semanas de férias.

Tive então, por diversas vezes, a oportunidade de apreciar o belo espetáculo da luz passando pelos vitrais. Mas quando eu tentava dormir, mesmo durante o dia, sempre era acordado por barulhos na casa.

Cheguei à conclusão que eu tinha que me mudar dali, por mais triste que essa decisão pudesse ser. Para minha sorte não tinha comentado sobre aquilo tudo com alguém. Se a notícia se espalhasse eu nunca conseguiria vende-lo.

A beleza do "Castelinho" era fascinante, isso era inegável. Não demorou muito para que aparecesse um comprador.

O negócio já estava fechado e só faltava eu encontrar uma nova casa para que eu me mudasse de lá.

Foi durante a última noite que passei nele que tive a certeza de que tinha tomado a melhor decisão.

Estava assistindo televisão na sala, já sabendo que dormir seria impossível, quando vi um vulto na porta, me encarando.

Só era possível ver o contorno de um homem. Parecia que ele usava um tipo de meia no rosto, escondendo-o.

Ele ficou ali, de pé, me encarando, mas não viera sozinho. Logo em seguida outro vulto veio por detrás dele, uma mulher com um vestido longo, com o rosto também escondido, mas com alguma coisa no colo: um bebê.

Provavelmente meus olhos se arregalaram como dois faróis. Quando o vulto masculino ergueu uma das mãos e fez um gesto para que eu saísse eu corri para fora feito um doido.

Enfim pude ter uma noite de sono, passando a noite no carro.

Na manhã seguinte arrumei algumas coisas e decidi ficar em um hotel até encontrar uma casa nova, o que aconteceu alguns dias depois.

Nunca mais fui até o castelo e evitei passar na frente dele até o dia em que fui transferido para a cidade em que moro agora, bem longe de lá.

Não sei se os novos moradores começaram a ter os mesmos tipos de problema que eu.

Talvez sim, mas tenham preferido manter segredo, assim como eu fiz.




Relatos MacabrosOnde histórias criam vida. Descubra agora