– Sabe, acho que é um pouco clichê dizer isso. Me sinto quase um daqueles caras que ficam tentando falar alguma coisa inteligente para impressionar alguém. Mas toda essa questão de medo e esperança... Bom, duas faces da mesma moeda.
Malcolm gesticulou enquanto falava. Era do tipo que tinha aquele estranho dom que atraía a atenção das pessoas muito mais pela forma como se mexia do que realmente pelo o que falava. Ele dizia que não reparava nisso, mas era mentira. Sabia do fato e usava sempre que podia a seu favor. Tirou algo de seu bolso e, como era de se esperar, mostrou uma moeda.
– Olha para essa moeda, por exemplo. Digamos que aqui há o medo e a esperança. Medo pode ser o olhar impiedoso do rosto gravado no metal. Esperança o número que vem do outro lado.
Ele girou a moeda entre os dedos. As garotas adoravam aquilo e ele não podia dizer que não gostava da forma fluida de como o objeto passava de uma articulação para a outra.
– Mas então, se um lado é o azul longínquo da esperança e o outro o borrão do medo, o que seria a moeda em si, o conjunto das obras? Uma escolha? Uma possibilidade? E por que não um sonho?
Não houve palavras, o ela apenas moveu os olhos. Normalmente quando Malcolm começava a falar daquela forma, as garotas não tinha outra opção senão ouvir. Muitas detestavam, era verdade, outras adoravam. Tudo dependia da situação e do ponto de vista.
– Considere que tanto esperança quanto medo são expectativas. A esperança a expectativa de que algo bom ainda irá surgir, o medo a expectativa de que algo ruim irá acontecer, seja a idéia de seu namorado pode terminar com você ou que um espírito dos mortos pode aparecer em seu quarto. Dentro do medo existe a esperança de estar enganado, mas dentro da esperança, o medo de estar correto.
Ele sorriu, como um maestro em seu show. As garotas sempre o ouviam afinal, ele ainda não falara dos sonhos. E os sonhos eram uma parte importante da coisa. Bater a moeda contra a mesa de plástico causava um drama ainda maior, principalmente com a luz pálida refletindo no metal.
– Neste caso, o que são o medo e a esperança além de uma idealização de algo que ainda está por vir? Duas partes de um mesmo sonho, paradoxalmente coexistindo em uma mesma estrutura, em uma mesma idéia?
De alguma forma, as perguntas trouxeram a idéia de que o fim de tudo aquilo se aproximava. Quando ele chegava àquela altura, algumas garotas já teriam ficado impacientes, querendo que todo aquele joguinho chegasse até o final. Outras iriam preferir que o monólogo continuasse. De uma forma ou de outra, todas continuavam ouvindo.
– Por exemplo. Esta moeda. Um sonho, uma expectativa. Um sonho seu: Sairei viva? Sua esperança é um numero chapado, seu medo um rosto entalhado.
E então ele jogou a moeda. Como costumava fazer. Um giro alto, com graça e drama, sempre. A moeda caiu na mesa e, de alguma forma, não quicou. Um cinco brilhante reluzia debaixo da única lâmpada do porão escuro.
Os olhos dela se encheram de lágrimas, de alívio. Os dele, de um sorriso.
– Mas isso é só uma moeda. – e sacou a sua velha faca dentada.
