N.A.D.A

Estava sentada com um cigarro e uma garrafa de vodka, sentia a parede gelada nas minhas costas, a brisa suave refrescando a noite quente. Tragava o cigarro sem pressa nenhuma, olhava o horizonte e soltava a fumaça, o prazer de fazer isso me deixava de bom humor. Esse era o momento que mais aguardei no dia, a hora de refletir, não importa sobre o que, só pensar. A vodka queimando minha garganta e aquele turbilhão de coisas enchendo meu peito, não consigo definir o que sentir, o máximo que sei é ter raiva, ódio, tudo mudou de uns anos pra cá, o carinho, amor, tudo que envolva esses sentimentos sumiram, igual o cigarro que joguei fora; a esperança afoguei com a vodka que está no final. Consegui entorpecer a dor, engana-lá, eu ainda sinto, mas alguma coisa em mim morreu e não vai voltar tão cedo.Acendi outro cigarro e ri, se minha família visse a filha 'perfeita' fazendo isso, eles mandariam para um internato, dei o último gole na bebida, perfeição nunca existiu no que chamo de família, só uma competição para ver quem é melhor que o outro, a falsidade de ambas as partes e claro eu tinha que estar no meio. A piada do ano, nunca fez nada, bebeu, fumou ou transou na vida, meus deuses, quando escuto isso quase começo a rir sem parar, já fiz tanta coisa que nem acredito e tudo de baixo do nariz dessa família. Não me arrependo de nada, tudo que fiz foi por puro prazer, egoísmo e curiosidade; viver sem viver não tem graça, cores ou sabores novos, posso admitir que sou tímida, mas não inocente em certos assuntos, gosto do perigo, de correr riscos e de ver as consequências. Aprendi a quebrar a cara, a ver a mentira que roda o mundo e as verdades ocultas e nem vivi muito tempo, outro cigarro já se foi e a noite mal começou, levantei e sai andando sem destino, acabei entrando em um shopping. Pessoas passavam ao meu lado, algumas apressadas outras tranquilas, todos ali por motivos parecidos, entediados com a vida que levam. Uma garotinha passou correndo por mim, a mãe falava algo com outra menina, deveria ser irmã da garotinha, um homem pegou ela no colo rindo, dizia a frase que todo pai usa, te amo, sacudi a cabeça para afastar as lembranças, as palavras, o carinho. Ficar vagando pelo shopping, observar cada pessoa, não tinha nada melhor a se fazer, além de sentar e beber uma coca gelada. O pai daquela garotinha sentou ao meu lado, continuei saboreando meu refri, até ele olhar pra mim.- você tem cigarro?- neguei - obrigado.- sua filha é bonita - a pequena estava brincando com um garotinho perto de nós - lembra muito eu quando criança.- ela é adorável - se virou para falar comigo - eu a amo mais que tudo - ri com o que o pai disse - falei algo de errado.- é a típica frase de todo pai - ele parecia curioso com o que falei - meu pai sempre a usava comigo, principalmente a de vou estar ao seu lado sempre, mas depois que crescemos e tomamos as nossas decisões tudo muda e o que ele disse passa a ser mentira.nunca faria isso com a minha garotinha - ela veio e cochichou algo em seu ouvido e saiu correndo - mesmo não sabendo o futuro que ela vai tomar, eu quero fazer parte disso, apoia-lá.Depois dessa frase sai dali, promessas vazias só enganam crianças, precisava beber algo mais forte e sair daquele lugar, ir para um distante olhar o céu. Quando cheguei a saída esbarrei em alguém, fui pedir desculpas, vi a pessoa que mais queria o seu status preservado, toda arrumada, roupa impecável, sapatos finos, maquiagem leve no rosto e uma bolsa de couro para acompanhar; eu sou a aversão a ela, um tênis surrado, jeans, camiseta simples e meu adorável moletom.- o que faz por aqui? - não respondi, a voz dela me irritava - seu pai e sua irmã estão na praça de alimentação.- bom pra eles - ela fechou a cara - desculpa pelo empurrão.- isso é modo de responder a sua mãe - ri com o comentário - e ainda por cima ri.- tanto faz - dei os ombros - faz muito tempo que não tenho mãe e não vai ser hoje que vou voltar a ter uma.Sai antes dela responder, hoje o mundo conspirou contra mim, porque meu cunhado estava ouvindo a briga, mas foda-se.Depois de tempo voltei para o lugar do começo desse texto, com um novo maço de cigarros e uma nova garrafa de vodka, ninguém ligava para o que eu fazia e meu mundo estava melhor, mesmo encontrando pessoas que quase fizeram eu desistir dele, de conhecer o novo, de ver pelos meus próprios olhos. Naquele local encontrei a paz, o silêncio trazendo o conforto para uma alma perdida tentando se encontrar, aquilo foi realmente bom.