Capítulo Único

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Rose gostava de observar Scorpius quando ele se distraía.

Como na vez em que o garoto se colocou sem razão aparente debaixo da neve fina que espiralava até o chão e estendeu as mãos, esperando e esperando. Após um tempo assistindo os flocos cobrindo-lhe as vestes negras e grudando em suas luvas, a garota concluiu que aquele era um paraíso congelado e Scorpius, parado ali com a pele tão pálida, cabelos tão brancos e olhos tão azuis, era seu rei.

Apesar disso tudo, ele era a coisa mais viva de que Rose se lembrava.

Mais tarde naquele dia, ela se lembrava vagamente de Draco Malfoy correndo na direção do filho, limpando a neve acumulada em seus ombros e puxando-o para dentro do salão, onde o almoço beneficente organizado pelo departamento de aurores de Londres estava acontecendo. Cada par de olhos estava voltado para o homem e o pequeno garoto que tremia em seus braços, de bater os dentes. A voz dele estava surpreendentemente calma quando perguntou para Scorpius o que ele tinha ido fazer do lado de fora, e quando o garoto explicou que só queria segurar a neve um pouco, o coração de Rose derreteu. Ela também queria segurar a neve um pouco.

Lembrava-se, também, da vez em que ele tirara o sorriso mais lindo que ela já vira do nada, com uma facilidade espantosa. Da vez em que ele cantarolou como se ninguém o estivesse vendo, a voz leve e envolvente, totalmente despreocupada. Da vez em que ele deixou que os dedos delgados dançassem graciosamente pelo ar como se estivesse tocando piano. Da vez em que desligou-se do mundo e encarou as estrelas como se estas conhecessem todos os seus segredos, e ele os delas.

Uma vez os dois se reuniram porque Scorpius queria aprender sobre trouxas, mas já não tinha mais horário disponível para encaixar as aulas de Estudo dos Trouxas. Todo intervalo prolongado, fim de semana e feriado, eles levavam uns poucos livros pra margem do lago e começavam a falar sobre a história de um mundo parecido, mas completamente diferente do deles. E ela adorava ver o rosto dele se contorcer de concentração.

Também gostava de se lembrar de quando o abraçava sem que ele estivesse preparado e ele, alto demais perto dela, ficasse todo desajeitado ao tentar retribuir o abraço. Gostava de quando os olhos azuis de Scorpius encaravam um ponto indefinido por muito tempo, e gostava da surpresa neles quando ela, inesperadamente, deixava um beijo em seu rosto. Gostava de lembrar-se das risadas despreocupadas que ele dava, da forma relaxada com que ele se sentava, da maneira que, mesmo que não percebesse, ele deixava a postura sempre ereta e os cabelos sempre jogados para trás.

Mas se alguém perguntasse, ela negaria. Não, não estava apaixonada pelo garoto cujos cabelos estavam sempre impecáveis, cujos olhos sempre permaneciam um tempo a mais sobre algo ou alguém, cuja pele viva preenchendo-se de vermelho, cuja simples presença a fazia sorrir. Aquilo era amizade, não amor.

Isto até que ele a beijou. E quando Scorpius a beijou, ela inevitavelmente lembrou-se da figura extremamente viva daquele pequeno garoto num jardim congelado, um sorriso brincando nos lábios, tanta felicidade que mal lhe cabia. Lembrou-se de como em nenhum momento ele pareceu arrependido do que tinha feito, e de como afirmava para o pai, com os dentes batendo, que a neve também queria ser segurada.

Foi então que percebeu porquê gostava de vê-lo distraído; porque o amou desde aquele momento, bem no início, quando viu quão genuíno Scorpius Malfoy era. E enquanto o beijo durou, ela invejou as estrelas por conhecerem-no tão bem, invejou a neve por ter sido segurada por alguém como ele, invejou o tempo que não tiveram, e poderia ter invejado muitas coisas mais se aqueles lábios não a tivessem distraído.

Porque Rose estava explodindo nos braços daquele garoto de uma forma que ela jamais pensou ser possível. Porque ali, com o Malfoy, ela era feita só de amor, um sentimento um tanto ardente e certeiro para alguém que sabia tão pouco sobre a vida.



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