Capítulo Único (Conto)

174 19 22
                                    


É engraçado como a ficção retrata alienígenas: quase sempre coloridos, extremamente feios e superinteligentes. Eu trabalho há anos em uma agência espacial secreta e sei muito bem que não é assim no mundo real. É verdade que algumas descobertas foram feitas, entretanto, na maioria dos casos os famosos e perspicazes extraterrestres do cinema, em sua forma real, são seres com uma mísera célula, habitando um pedaço de rocha que por simples coincidência conseguiu entrar na atmosfera terrestre, sem virar pó.

Contudo, existem exceções. Uma delas aconteceu algum tempo atrás e sou um dos poucos que sabe do ocorrido. Meu fiel amigo Robert, certa noite, foi enviado por seus superiores para investigar um suposto OVNI que teria aterrissado em uma floresta próxima a um povoado, no interior do estado. Embora adorasse os "passeios" a trabalho, meu amigo já se sentia entediado por saber que teria que tirar uma dúzia de selfies e recolher uma dezena de amostras do que certamente seria o que sobrou de algum satélite velho, aposentado pela lei natural de tudo: surge, existe e "acaba".

Eram onze horas da noite quando Robert desceu de seu sedan esportivo e sentiu a brisa fria que circulava pela rodovia. Galhadas dos imensos carvalhos criavam sombras no asfalto, sob a luz tênue do luar. Aves noturnas piavam distantes e Robert teve a impressão de ouvir lobos uivando mata a dentro. Meu amigo, nessa época ainda jovem, recolheu sua mochila com equipamentos, uma lanterna, uma bainha com sua faca, o coldre com a Colt M1911 e o pente extra, carregado.

Segundo ele, a arma era para protegê-lo de eventuais animais selvagens ou ladrões. Já eu penso que Robert sempre acreditou que encontraria um E.T, que esse certamente seria hostil e tentaria matá-lo.

Após ajustar o cinto com o coldre e a bainha, colocar a mochila e verificar a localização do OVNI em seu GPS, Robert adentrou na mata. Não era sua primeira missão do tipo, tampouco seria a última. Seus superiores não enviavam apenas um funcionário em casos complexos. Se houvesse uma pequena possibilidade do objeto ser extraterrestre, no mínimo, meu amigo estaria em uma equipe de dez pessoas agora. Entretanto, talvez a suposição dos superiores de Robert tenha falhado naquele dia.

Robert seguiu caminhando sobre a relva verde-prateada. O brilho do luar penetrava, em forma de feixes, as copas das árvores. Várias vezes ele tropeçou em raízes ou se assustou com algum barulho qualquer da natureza noturna, sempre atento ao trajeto em seu GPS de pulso. A mão direita junto às suas armas, enquanto ele tentava ouvir, ver e sentir tudo à sua volta.

Após alguns minutos chegou ao local de destino. Era uma pequena clareira em que no centro erguia-se um alto monte de galhos e folhas. Robert se aproximou com cautela e tentou ver o que a camuflagem escondia. Ainda sem conseguir enxergar, começou a retirar as folhagens, revelando parte da estrutura de metal que ali jazia.

Removeu mais alguns galhos enquanto o OVNI, gradativamente, ia revelando sua forma. Na metade do trabalho, Robert pôde ver os traços de uma estrutura cilíndrica pouco maior que uma van. No momento em que preparava-se para puxar um arbusto espinhento de cima do objeto não-identificado, um som às suas costas lhe chamou a atenção. Ele girou nos calcanhares e apontou a lanterna em direção ao ruído. Com os olhos semicerrados não viu nada além de folhas, galhos, ervas daninhas e terra.

— Quem está aí? — perguntou, como se pudesse haver alguém naquele lugar e horário. Mas no fundo imaginava que pudesse ser só um animal qualquer.

Continuaria pensando assim se um vulto esguio não tivesse disparado em corrida pela mata. O sangue de Robert queimou naquela hora, produzindo uma receita fervorosa em que os ingredientes principais eram curiosidade, ansiedade e um pouco de medo. Todavia, estava armado e pelo visto quem fugia na mata não estava com muita intenção de atacá-lo. Perante a isso resolveu seguir a criatura, seja lá o que ela fosse: humana, selvagem, terráquea ou nenhuma das opções.

O mais rápido que podia, meu amigo correu, vendo em alguns lampejos o que perseguia. Nos breves momentos em que visualizou aquele ser, percebeu que andava sobre duas pernas... ou patas. Nada muito concreto. Robert gritou para que o mesmo parasse, mas nada adiantou. Depois de algum tempo de perseguição, o vulto tropeçou em algo e caiu. Com isso Robert o alcançou.

Assim que chegou, meu amigo sacou a pistola e apontou, juntamente com a lanterna, em direção ao peito do homem caído em frente a ele. Era careca, muito branco e tinha íris prateadas, como se fossem de metal. Robert nunca vira olhos iguais aqueles, chegou a acreditar que eram lentes de contato.

Com tom de comando ele ordenou que o sujeito se identificasse, em resposta o homem caído murmurou coisas incompreensíveis. Meu amigo, irritado e com medo, aproximou-se mais do estranho e tentou ser mais exigente, sem resultado algum, pois o outro continuava a murmurar em uma língua que Robert não conhecia. Não sabia-se qual dos dois estava mais assustado em seu diálogo cacofônico e confuso. Por fim, o homem no chão em uma tentativa desesperada de fugir, atacou Robert com um chute miseravelmente fraco. Ele se arrastou para direção oposta tentando se levantar, porém foi rapidamente imobilizado, tendo o cano frio da 1911 encostado em sua testa.

Anos depois, Robert me diria que só não me matou pois pensara que eu fosse um ser "humano como ele" e, principalmente, pelas lágrimas que viu escorrerem de meus olhos prateados naquele dia. Desde então fico refletindo: e se eu fosse verde? E seu eu tivesse dois pares de olhos? Como ele reagiria?

Enquanto aquele jovem Robert só me permitiu viver devido à nossas semelhanças, o que mais me admira na aparência de meu velho amigo, desde a primeira vez que o vi, é a cor de seus olhos. Cor que é de um tom verde-esmeralda tão bonito. Pois é, foi essa cor inexistente em meu planeta natal o que mais me encantou na Terra. Será por que terráqueos têm tanta aversão ao que é diferente? Essa é a dúvida mais sombria que carrego. Um dia, nossos planetas vão se conhecer e nesse momento espero que as diferenças possam nos unir e não nos afastar. Esse é o meu sonho.

O Alien E O VerdeOnde histórias criam vida. Descubra agora