Hoje faz um ano.

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15/12/14

Nunca pensei que estivesse tão animado para ir a uma sessão. Faz pouco tempo que estou indo, mas Cynthia faz tudo parecer mais fácil. Não me abro com uma pessoa assim faz anos.

- Vamos, Tyler? – perguntou meu padrasto.

- Claro, só vou terminar de me arrumar – falei calçando o tênis.

- Estou te esperando dentro do carro.

O caminho da minha casa até o consultório era rápido, demorava em torno de cinco minutos. Ao contrário do que eu estava pensando, não foi meu padrasto que pediu para eu ir às sessões, mas sim, minha avó.

Não há vejo já faz algum tempo, mas ela nunca deixou de se preocupar comigo. Um dia antes da sessão ela ligou para minha mãe e juntas combinaram tudo. Não posso negar que no começo fiquei irritado, não são todas as pessoas que vão a terapeutas, pensei que fosse coisa de louco, mas no fim, acho que foi uma das melhores coisas que aconteceram em minha vida. Conversar com Cynthia me fez esquecer essa pessoa que vinha me atormentando, me chantageando, porém agora a pessoa que me ameaçava está morta! E nunca fiquei tão feliz por isso.

- Próximo – disse sua secretária.

Levantei do banco e fui em direção à porta. Sentei na mesma cadeira que estou acostumado.

- Bom dia, garotão! – disse Cynthia animada.

-Bom dia, Cynthia – respondi no mesmo entusiasmo.

- Parece que tem alguém feliz aqui – falou rindo – quer me contar algo?

- Estou muito feliz de poder estar aqui conversando com você, faz tempo que queria me abrir assim e nunca tive essa oportunidade! E também tem outra coisa... Meu aniversário está chegando – falei rindo – e quero que você vá.

- Com certeza – exclamou – quando que é?

- Vai demorar ainda, tem tempo... Dia 04 de janeiro.

- Claro que irei! – fez uma pausa - E a vida, como vai?

- Ainda penso nas pessoas idiotas na minha sala. Não consigo esquecer todas as coisas que eles falavam para mim, o quanto me zoavam. Era a pessoa anônima me chantageando e as pessoas rindo da minha cara pensando que tudo era mentira.

- Tyler, já conversamos sobre isso... – falou Cynthia.

- Eu sei – interrompi – tenho que esquecer o passado, mas não consigo. Todas as pessoas me xingando, me chamando de louco, criando até "músicas" para me abalar e infelizmente conseguiram. Acho que é por causa disso que não consigo lidar com as pessoas, fazer amigos, ser feliz.

- Tyler, não é porque aquelas pessoas são idiotas, que todas as pessoas são. Qualquer pessoa que conhecer você vai querer ser seu amigo. Poxa, você é engraçado, educado, gentil, respeita e muito as pessoas. Não fica assim, aquelas pessoas que fizeram aquilo com você, não sabem o que estão perdendo. Estão perdendo um amigão, ao contrário de mim, que estou tendo a honra de te conhecer.

Tentei conter o choro, mas não consegui. Qualquer coisa que envolva meu passado me faz chorar. Preciso ser mais forte, esquecer tudo, mas não consigo, sou fraco demais.

03/01/16

Minha mãe fez seus deliciosos pães, meus favoritos. Quando criança, eu e minha mãe, tirávamos algumas horas do nosso dia para fazer pães. Pães de todos os jeitos possíveis, ela procurava no internet a receita, íamos para o supermercado e ficávamos horas e horas fazendo... Tenho saudade de ter uma vida normal, apesar de fazer um ano, ainda tenho muitas marcas do passado.

Tenho saudade do tempo em que não precisava me preocupar com ninguém e nem comigo mesmo. Agora, está tudo diferente. Não sei em quem confiar ou se posso confiar em alguém, a não ser em mim mesmo.

- O que está achando dos pães? – perguntou minha mãe animada.

- Estão uma delícia! – falei .

Essa situação estava em um clima tenso. Minha mãe tentando fazer com que tudo seja normal, mas nada está normal. Posso olhar em seus olhos, posso vê-los em como estão abalados e inchados, como se ela estivesse chorando há pouco tempo.

- Que horas são? – perguntei.

Minha mãe estava com seus olhos fixos, pensando em algo.

- Mãe? – perguntei.

- Me desculpa – falou rindo – acho que ainda estou com sono.

- Que horas são? – perguntei novamente.

- 8h50 – respondeu olhando em seu relógio.

Terminei de comer o ultimo pedaço de pão.

- Vou voltar a dormir – falei – estou com muito sono.

- Tudo bem! Acho que também irei – falou rindo.

Subi as escadas e antes mesmo de entrar no quarto comecei a chorar e lembrei-me de todas as sessões em que fui. Abri meu diário.

" Lembro perfeitamente daquele dia em que nem gosto de me lembrar. Dia 03/01/15. Vou seguir seu conselho, Cynthia. Fazer desse caderno, o meu diário em 2016. Lembro do bolo em que prometeu que faria no meu aniversário e que achei que algum dia eu poderia comer. Eu tive essa oportunidade, mas não tive coragem. Ver você, toda jogada no chão, cheia de sangue, cheia de tiros e bem em frente o bolo. Nunca na minha vida irei esquecer essa sensação de medo, dor, raiva. Hoje faz um ano. Um ano que você morreu."


Por trás da MáscaraOnde histórias criam vida. Descubra agora