Fui arrastada naquela cadeira de rodas, por aqueles idiotas vestidos de branco. Os meus pés e pulsos presos à cadeira impediam a minha fuga daquele sítio horrível. A minha testa estava suada e todas as tentativas de me soltar daquela cadeira eram em vão.
Mas eles não entendiam. Não podiam entender. Não esperava que entendessem.
Deixaram-me num quarto. Parecia agradável à primeira vista, mas depois reparei nas diversas câmaras de vigilância espalhadas naquele cubículo de 5x5 metros. Uma cama encostada à parede, uma cadeira no canto, um armário embutido e uma janela com grades em forma de losangos.
-É para o teu próprio bem- avisou um dos homens.
-Devem dizer sempre isso, não?- sussurrei sentada numa ponta da cama, com o cabelo ruivo a cobrir-me a cara.
-Tens aqui a casa de banho- disse outro homem apontando para uma porta- e se te sentires mal, pressiona este botão.
Olhei para o interruptor que ele indicou
-Humm…-murmurei
Ouvi gritos a ecoarem nas paredes do corredor branco.
-O que é que se passa?- perguntou à única mulher que estava com os médicos.
-Habitua-te aos gritos, lamentações, choros, é típico. Uma espécie e hino cá do hospital.
-Como assim habituar-me?- olhei assustada para os 3 que estavam à minha frente.- O que é que vocês fazem com as pessoas de cá?
-Enquanto puderes dizer que é com as pessoas de cá e não contigo sente-te uma sortuda. – Disse a mulher loira lançando-me um sorriso cínico.
-Mas…-tentei sem sucesso- Digam-me só…
-Não precisas de saber nada! -gritou a loira.- Limita-te a te controlares. Não estamos aqui para brincadeiras e não temos medo de usar métodos que nem imaginas para fazer comportares.
-Um dia ainda te mato- Murmurei cabisbaixa. Aquela loira estava a irritar-me, a provocar-me.
-O eu disseste?- Perguntou ela. Os dois homens estavam sérios como estátuas de cada lado dela.
-Nada. – Desculpei.
-O que foi que disseste? – insistiu a parva a sorrir-me com os olhos cinzentos.
-Que um dia te mato... – disse num tom calmo enquanto me levantava da cama e me aproximava da cara da nojenta. – Isso mesmo… que um dia te mato.- Ri-me suavemente a uns 5 centímetros dela.
Ela levou a mão ao bolso e aproximou um aparelho à minha barriga. Olhei para a mãe dela quando ela soltou um “Boa Noite” irónico antes de me deixar inconsciente durante umas horas.
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Acordei num quarto cheio de macas com pacientes de olheiras profundas. Notei numa mulher idosa, quase careca, com a face coberta de rugas. Os seus olhos inchados lembravam bolas de ping-pong vermelhas e cinzentas, sem vida nem expressão. Fixava o teto imóvel enquanto que o seu peito subia e descia conforme a sua respiração. Estendida na cama, tão vulnerável. Olhou para mim e os seus músculos contrariam. Começou a mexer-se incontrolavelmente na cama, mas sem sair desta. Estava presa à cama. O ritmo da respiração mudou e ela inspirou fundo.
Fiquei nervosa. O que estava a acontecer? Onde estava eu? Tentei levantar-me da cama, mas estava também presa. Elevei as costas daquele colchão maldito mas fui puxada de novo para ele, como se algo me controlasse os movimentos.
A minha mãe esquerda escorregou para o lado da cama. Estava desesperada. Senti então o toque quente e a pele suava de uma mão a segurar a minha. Segui com os olhos o rasto do braço musculado de um rapaz jovem. Notei nas veias do pescoço dele antes de fixar os seus lábios encarnados e húmidos. Olhei para o rapaz nos olhos verde que ele tinha… voltei a respirar de forma acelerada à medida que ele pressionava a minha mãe.
Ele sorriu e senti o seu cheiro hipnotizante a brisa do mar.
-Shhh…- sussurrou ele ao elevar a minha mão fraca até à ponta do meu nariz, co o indicador estendido e os restantes dedos encolhidos como se estivesse a pedir por silêncio.
A minha respiração voltou ao normal por uns segundos. A velha tinha acalmado, mas continuava a olhar para mi desesperada. Vi-a a inspirar e a abrir lentamente a boca. Passei a olhar alternadamente para os dois: para a velha e para o rapaz. Todas as outras pessoas que tinha visto no quarto já não estavam lá. Desapareceram. Restava apenas aquele jovem ao meu lado e a velha deitada na maca à minha frente. Olhei de novo para o rapaz: estava a sorrir do meu pânico. Não percebi bem porquê. Voltei a olhar para a idosa, uma ultima vez, até que ela começou a gritar do nada e a ter uma espécie de ataque epilético.
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Levantei o tronco instintivamente da cama num só segundo. Tinha o coração a bombear sangue a uma velocidade fora do normal. Os meus olhos habituaram-se à luz fraca do quarto. Aos poucos fui recuperando o ritmo da minha respiração enquanto que me apercebia que estava no quarto onde a loira me tinha paralisado.
Tivera um pesadelo, mais um. O grito da velha ecoava no meu ouvido, aquele rapaz misterioso que estava ao meu lado. Ao lembrar-me dele peguei na minha mão esquerda e notei que estava mais quente e mais vermelha que a direita. Reconheci o cheiro que vinha dela, mas de onde? Parecia tão familiar. Cheirei-a de novo e comecei a sentir-me tonta, hipnotizada e acabei por adormecer mais uma vez, com aquele aroma agradável, simples e ao mesmo tempo possuidor infiltrado nas minhas narinas.