Felson (Primeira parte)

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  "-Muito provavelmente você é o único homem de todo Hailthorn que é herdeiro de um trono e não almeja se tornar um rei, Davi."  

   A taça vazia, antes cheia do melhor vinho de que se tem conhecimento, foi depositada sobre a pequena e circular mesa. Felson apreciara até a última gota daquela bebida que poucos homens possuem o privilégio de tomar, e ele, por sua vez, tinha o quanto queria e quando quisesse.

Distraído com muitos pensamentos distantes, ele girava seu belo anel de prata em seu dedo enquanto sua mente ia mais longe do que queria. Era fim de tarde, e o belo Sol daquele horário derramava tons de laranja e amarelo no pequeno e reservado cômodo que escolhera para a reunião que não tardaria a acontecer. O clima estava agradável e perfeito, diferente do que é na maior parte do ano, onde o céu é carregado de nuvens negras e as temperaturas são sempre mais frias do que as pessoas gostariam. Naquele dia em questão, no entanto, estava tudo diferente e bom, pena que Felson não era um homem que podia tirar momentos de sua vida para aproveitar esses detalhezinhos que os dias trazem.

Pegou a garrafa de vinho recém aberta e serviu uma pequena quantidade do vinho para si novamente. Antes havia prometido a si mesmo que só tomaria uma taça e deixaria o restante para os convidados, mas conforme o tempo passava e ele continuava a vagar pelas suas preocupações, ignorou o que havia prometido e decidiu que o certo seria tomar o quanto lhe agradasse, desde que não extrapolasse os limites.

Felson era um homem mais velho. Seus cabelos já haviam caído há muito tempo e agora o que lhe restava era somente uma pálida e resplandecente careca. Sua pele era clara e em sua face algumas rugas criadas pela extrema preocupação jaziam espalhadas. Sua barba, já branca devido ao tempo, estava sempre bem feita e rala. Não era um homem de estatura muito invejável, muito menos de um porte físico que fosse intimidador, apesar do seu longo tempo em batalhas e lutas. Não era nem um pouco acima do peso, mesmo assim ainda possuía uma pequena e humilde barriga. Trajava-se como qualquer e bom rei devia ser, roupas longas e macias, com diferentes tons de vermelho e detalhes preto, que se alongavam delicadamente por todo o seu corpo. Anéis de ouro com pedras preciosas descansavam em seus grossos dedo, devidamente polidos e brilhantes. Uma coroa havia sido feita sob medida para ele também, mas quase sempre se recusava a usá-la por considerar aquilo nada mais do que um extremo exagero, e não seria diferente naquela reunião. Tanto ouro e pedras preciosas desperdiçados num objeto que somente ficaria pendido em sua cabeça onde quer que ele fosse. Talvez fosse um dos poucos reis que não gostavam daquele privilégio.

Levantando-se, Felson dirigiu-se para a bela e grande janela que permitia a entrada da luz naquela pequena sala. Tinha a taça em mãos e bebericava de quando em quando. Apreciava as ondas do mar inquieto se quebrando nos limites de seu reino e as muitas embarcações que iam e viam pelo litoral, trazendo pessoas, mercadorias e riquezas. O movimento na praia era tranquilo e quase não havia ninguém, diferentemente do que estava algumas horas antes. O Sol seguia descendo sem pressa pelo horizonte.

Dentro de si, os pensamentos que o martelavam a mente era variados, mas como todo rei, muitos similares ou repetitivos. Felson dizia para si mesmo que depois de quase três décadas no poder ele já devia ter se acostumado com isso, porém, é impossível.

Tirou então do bolso um papel amassado e com anotações dele mesmo sobre outro documento. Tinha que decidir logo qual seria sua posição perante a Igreja, se ia ou não assinar um tratado com ela. Muitos reinos já haviam assinados tratados e mais tratados com a Igreja, e agora ele se encontrava na mesa posição. Dos muitos assinados, boa parte gerou benefícios tanto para o reino quanto para a população e os reinos cresceram e prosperam mais rápido, em contrapartida, uma parcela de significância semelhante de reinos somente teve prejuízos com os pactos feitos, dois casos em especial causaram até mesmo o fim de reinados que duraram séculos e séculos. Os motivos eram os mais variados, e ele podia se espelhar em alguns deles para analisar a situação com inteligência e perceber as consequências. As riquezas da Igreja são praticamente ilimitadas, terras, ouro, castelos, tudo o que ele podia imaginar ele conseguiria; além disso, muitos habitantes de seu reino eram fiéis até o fim dos ensinamentos e pregações feitas e certamente achariam uma maravilha a decisão do rei, e ele ganharia apoio de centenas e centenas de pessoas num piscar de olhos, e como a Igreja não se concentra somente em seu reino, muito provavelmente suas áreas de influência de expandiriam para muito além de seus domínios; nos pontos apresentado no tratado em questão havia uma parte em especial que dizia que caso Felson fechasse o pacto, teria sua imagem transformada e glorificada e seria dito às pessoas que ele era um homem de Deus enviado à terra para o bem e para milagres, que sua linhagem e sua família eram abençoadas e que enquanto estivessem no poder não haveria com o que se preocupar, uma tremenda pressão e estrapolação dos limites. O que ele menos queria era ter sua imagem distorcida, ainda mais pela Igreja, isso não seria favorável a ele. E é aí que entram os pontos negativos de tudo aquilo. Inicialmente, o reino e toda a sua linhagem familiar que o antecedera havia decido manter a religião afastada de todas as questões políticas ou de qualquer coisa semelhante, o que, em sua opinião, era uma decisão sábia. E se assinando um tratado com a Igreja trazia mais fiéis para o seu lado, ao mesmo tempo levava pessoas para a oposição, pois havia pessoas de influência e poder no reino que, como ele, também não concordavam na união da Igreja com o reino pelos mais diversos motivos, e podiam sem problemas colocar muita gente contra ele.

HerdeirosWhere stories live. Discover now