Sinto a noite escurecer minha visão antes que eu possa voltar a me mexer. O cansaço se apodera do meu corpo antes que eu possa enviar ao meu cérebro a informação de que passei o dia inteiro sem fazer nada. Mas isso não muda o fato de que estou exausta. Talvez não fisicamente, mas mentalmente. Emocionalmente. Meus sentimentos estão tão conflitantes que já não sei o que faço com eles. Tento revestir-me com uma camada de aço, quando lembro que já não sei mais como se faz esse tipo de coisa. Como se deixa de sentir de uma hora para outra. Quando a gente pensa que alguém não pode ser mais importante do que já é, eu lembro que ainda tenho você. A cada minuto do dia eu sou obrigada a conviver com a sua eminente existência. Não só sua existência, mas também com a sua falta, penso comigo mesma.
E, pelo que parece ser a trigésima vez, me pergunto se eu não deveria ter feito algo diferente durante essa noite. Chego à conclusão de que sim, afinal, são quase cinco horas e eu ainda não pude ir para casa. Não agora. E, talvez, não enquanto eu não ouvir sua voz e ter certeza de que tudo está bem. Só que não está, a voz da minha cabeça sussurra. E, então, de forma lenta e tortuosa, minha mente traz à tona todos os acontecimentos da noite. Você entrando nessa maldita festa de aniversário. As batidas do meu coração parando e depois pulsando loucamente. A vontade de correr até os seus braços. E... E a mão que me prendia com mais medo do que afeto. Repassando a cena, acho que todos foram capazes de perceber o quanto eu queria apenas me jogar nos seus braços. Todos, menos você. Eu vi o exato segundo em que seus olhos encontraram os meus e, então, viram a mão segurando a minha.
Foi o segundo necessário para que alguma garota que eu não reconheci se pendurasse no seu pescoço e meu riso desaparecesse pela noite inteira.
- Então... Você ainda não foi embora.
Não preciso me virar para saber que você está a alguns passos de distância de mim, porém, como sempre, meus olhos levam meu corpo a girar apenas para poder te ver mais um pouco.
- Não, ainda não. - percebo que minha garganta está seca demais para dar-lhe alguma resposta mais elaborada.
- Eu já queria ter ido a algumas horas. A Paola já estava me enchendo o saco... - então esse é o nome da vagabunda? Interessante saber.
Não, espera. Não é interessante, porque você já não me interessa mais.
- E por que não foi ainda? - tento convencer a mim mesma de que só estou perguntando para não ser grossa, e que isso nada tem a ver com o fato de que eu preciso te prender aqui por um tempo a mais.
- Ainda tinha a esperança de que você ficasse a só, em algum momento... Eu tenho sorte, você sabe. - um sorrisinho aparece no canto dos seus lábios. - Uma hora aquele troglodita ia ter que largar do seu cangote.
- Olha quem falando em ser um troglodita.
- Pelo menos eu não ficava grudado no seu cangote!
- Já parou para pensar que talvez esse seja o problema?! - o grito saí da minha garganta antes que eu possa contê-lo.
O silêncio se alastra pela pequena sacada e eu sinto o arrependimento circundar meu corpo. Você não deveria tomar conhecimento do quanto essa sua indiferença anda me matando. Do quanto eu fico mal toda vez que você age como se fosse meu amigo. A verdade é que eu nunca esperei por isso... Você aceitou todo esse meu namoro de uma forma muito melhor do que eu esperava. Você aceitou, e isso, por si só, é muito mais do que eu havia planejado. Depois de esbravejar, gritar, não olhar para a minha cara durante alguns dias... Você apenas me parou no meio do pátio e conversou comigo como se nada tivesse acontecido.
Tudo bem, de vez em quando eu ainda pego você olhando para ele com raiva e se afastando antes que seja obrigado a trocar algumas palavras com ele. Eu sei que isso não passou. Mas você finge tão bem que eu tenho vontade de te sacudir e dizer que ainda sou eu. Que eu ainda te quero. E que você deveria me querer também.