Capítulo 3 - Carmen

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Ao chegar a meu apartamento após o enterro do nonno eu estava exausto! Consegui driblar a chantagem emocional de minha mãe pedindo pra minha irmã Isabella cuidar dela. Na verdade a família foi em peso para o casarão da nonna, passar a noite, se fazerem companhia, decidir sobre quem se mudaria pra casa da vovó, essas e outras questões que se seguem a uma perda na família. Inventei uma campanha urgente que deveria ser aprovada no dia seguinte bem cedo e corri para meu apartamento. Realmente eu tinha algum trabalho acumulado, mas nada assustador. Afinal, como dono da agência, eu sempre poderia delegar algo a alguém. Queria era fugir do tumulto todo, pois naquele momento outra questão me perturbava muito mais que o trabalho ou reuniões familiares. Tomei um banho, fiz um sanduíche com tudo que encontrei no refrigerador, abri meu notebook e comecei a procurar. Acessei inúmeros perfis, várias Carmens Datella e Datello pipocaram na tela. Olhava todos eles, checava nomes de mãe ou algo assim. Uma ou outra me chamou a atenção, mas nenhuma tinha olhos verdes, e se tinha olhos claros, o nome da mãe diferia do citado na carta: Guadalupe. Fiz um trabalho minucioso de busca, mas não encontrava nada. Quando olhei o relógio já passava das 3 horas da manhã e imaginava Derek tirando o maior sarro da minha cara se soubesse que eu estava acordado a procura da filha perdida do nonno. E foi então que a procura deu resultado. Encontrei uma Carmen Garcia Datelli. A foto do perfil era inconclusiva, apenas uma moça gargalhando de olhos fechados. Ao checar outras fotos me deparei com essa mulher suavemente ruiva, cabelos longos e cacheados e incríveis olhos verdes. Eu disse incríveis! Realmente bela! Nenhuma menção sobre parentesco. Fui olhando algumas postagens. Viagens, opiniões, reportagens...para minha surpresa ela parecia ser uma mulher bem mais discreta e inteligente que a maioria. Ao menos não havia qualquer referência à sua "capacidade de ser ela mesma" ou frases de autoajuda. Resolvi olhar outras fotos. Lia os comentários, mas não encontrava nada, nenhuma pista sobre o pai ou mãe. Até que, numa foto em que ela estava especialmente vibrante, sorriso aberto, rosto bronzeado, sem maquiagem e algumas leves sardas, alguém comentou algo como: "Está linda! Mesmo sorriso de Lupe!". Bingo!! Lupe, apelido de Guadalupe, certo? Só me faltava saber onde ela morava. Fui procurar e a cada informação engolida pelo meu cérebro mais meus olhos se arregalavam: dentista na empresa "Give a Smile Dental Center", Atlanta, Geórgia!!! Ou seja, a menos de 10 horas de carro de onde eu estava sentado naquele momento!! "Não pode ser ela!", pensei. O que ela estaria fazendo tão perto?? Dei-me conta do quão idiota era aquela pergunta. Eu tinha que ter certeza de que era ela. E mais: precisava me certificar de que ela não tinha pretensão e nem necessidade de requerer uma parte da herança. Continuei olhando o que podia no perfil dela. As últimas postagens não davam conta de que lamentasse a perda de alguém. De súbito, me veio à lembrança a idade. "Nascida em 07 de novembro de 1979". A idade era compatível com a citada na carta da tal Guadalupe. Sem raciocinar muito, comecei a olhar preços e horários de passagens para Atlanta. Reservei duas passagens para dali a alguns dias, um quarto duplo num hotel standard. O próximo passo seria imaginar um meio de me aproximar. A palavra "dentista" me saltou subitamente aos olhos. Na manhã seguinte, resolvi marcar um horário como paciente. Por sorte ou destino, havia vaga. Do outro lado da linha, a atendente quis saber meu nome. Senti a garganta seca por alguns segundos. Informei meu último sobrenome: Smith, do meu pai. Dali a 10 dias, estaria embarcando com destino à Atlanta para me certificar daquilo que eu já dava como certo. Passei os dias subsequentes me dividindo entre a casa de minha avó e o trabalho. Precisei antecipar algumas coisas, pois me preparava para ficar em Atlanta por alguns dias se necessário. Estava convicto de que só voltaria com a certeza de que aquela era ou não a Carmen que procurávamos.

Na missa de sétimo dia do velho Vittorio, sentei estrategicamente ao lado de Derek, que obviamente escolhera um lugar bem no fundo, donde não se podia ouvir quase nada da choradeira ou da preleção do padre. Tudo que precisava fazer era ficar de pé quando todos levantavam, sentar quando todos sentavam. Comecei a falar:

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