Introdução

116 14 25
                                    

Lá está ele. Em cima daquela mesa redonda, coberta por uma toalha branca. Lá está o copo que em tempos, fora utilizado para beber algum tipo de bebida, numa festa agitada, presumo, mas que agora não passa de um monte de plástico amassado. Já foi usado e abusado. Porém, o que resta são apenas parcelas arremessadas numa esfera desigual. Eles destruíram o copo e, depois disso, abandonaram-o. Agora, a sua única companhia são as gotas de refrigerante que mancham a miserável toalha. E naquela divisão escura, tudo o que resta são a mesa, a toalha, as nódoas, e o copo... O pobre copo.
    Então, imaginemos que a divisão escura é um quarto; a mesa redonda, uma cama; a toalha branca, um cobertor; as nódoas de bebida são lágrimas; eles, a sociedade e os seus padrões; e o copo... Imaginemos que o copo é uma garota chamada Elisa, e que hoje é o dia do seu décimo sexto aniversário.

    Depois de algum tempo naquele estado, Elisa levantou-se. A pequenos passos dirigiu-se até a casa de banho e, quando lá estava, lavou a cara com água fria. Ela precisava daquilo, precisava esconder o facto de ter chorado. Os seus pais não iriam gostar e ela iria sentir-se ainda pior. Eles sempre lhe ensinaram que uma menina tão bonita não pode chorar, os outros iriam criticar. Só que, Elisa não se achava bonita, ela olhava ao espelho e sentia-se como um monstro. Sabia que não é um, afinal, todos lhe diziam que ela é linda, mas não havia maneira de controlar esses pensamentos. Pouco a pouco, os sinais de que pequenas gotas de água salgada e tristeza percorreram a face dela, foram desaparecendo. E, quando não restava nada que a pudesse denunciar, Elisa desceu.

    A sua casa estava decorada em preto e branco, visto que essas cores nunca passam de moda. Era tudo simples e acolhedor. A escadaria que lhe permitia o acesso ao primeiro piso da casa era estreita e continha pequenos degraus. Por momentos, Elisa comparou-a ao seu coração, mas logo afastou esse tipo de pensamentos da sua mente. O seu coração era alegre como o de todas as meninas da sua idade e não apertado, como aquela escadaria. Depois de ter descido os 13 degraus (ela havia contado quando era criança), dirigiu-se à cozinha. A mãe dela estava sentada a ler uma revista, o que não era de estranhar às dez e meia da manhã. Elisa perguntava-se se ela se iria lembrar, mas em poucos instantes, chegou a conclusão que sim. Porque, mal a viu, a Senhora Neves levantou-se e abriu os braços como que pedindo um abraço.

    -Parabéns, filha.- ela disse.

-Obrigada, mãe.- sorriu. Ninguém diria que ainda à poucos minutos atrás, esta menina estava desfeita em lágrimas. Ela era uma ótima atriz e, para além de saber disso, também adorava esse pormenor na sua personalidade. Era um grande pormenor que a ajudava nas suas piores situações.

-Bom dia, meu amor.- o pai da Elisa, também conhecido como Doutor Neves, entrou na cozinha. Elisa sorriu para ele, um sorriso verdadeiro que a fez esquecer tudo por momentos. Ela adorava o pai dela, ele era um exemplo para Elisa, um orgulho.- Parabéns!- o homem de olhos esverdeados sorriu também ao abraçá-la.

Enquanto Elisa e o seu pai estavam nos braços um do outro, a Senhora Neves saiu da sala. A filha não se apercebeu da saída dela, muito menos o marido. Também não era como se fosse algo muito importante.

(...)

-Elisa!- a senhora Teresa chamou durante aquele fim de tarde silencioso.

Ao ouvir o grito da mãe, a menina apressou-se a colocar as ultimas bugigangas na bagagem e foi ate ao rés-do-chão pela nona vez em apenas quarenta e cinco minutos. 

-Sim, mãe?- disse quando estava a descer o ultimo degrau.

-Já acabaste de preparar as malas?- Elisa acenou- Confirmaste se tens tudo? Roupa, calçado, bolsas,...- Elisa voltou a acenar- E a prenda para a tua avo, já a meteste?

-Sim, mãe, já fiz tudo.- a adolescente respondeu um pouco sem paciência e, em seguida, voltou a subir para o quarto antes que a mulher que a pôs no mundo a enchesse com mais perguntas.

    Mal abriu a porta do quarto, ela atirou-se para a cama e colocou os fones. Isso queria dizer que ela ia esquecer o mundo e pensar. Pensar em tudo, desde as coisas mais bobas até às mais sérias. Essa é mais uma característica dela: pensar demasiado. Desta vez, Elisa pensou sobre a viagem que ela iria fazer dentro de menos de três horas. Será que as pessoas ainda se iam lembrar dela? E será que elas iriam gostar dela? Será que iriam achar a combinação da sua pele morena, dos seus olhos escuros e do seu cabelo liso preto bonita? Será que ela iria ser aceite? Ou será que ia ser como no país onde ela se encontrava? E porque será que ela tinha tantas perguntas? Pra ela, não fazia sentido se questionar tanto, afinal ela ia para Portugal, o seu país natal e lá encontravam-se todos aqueles que ela gosta. Mas então, por que é que ela não se sente preparada para partir? Por que é que as inseguranças teimam em ser mais fortes que a saudade? Quando deu por si, Elisa estava a chorar pela segunda vez no mesmo dia. Ela dizia-se a si mesma que isso tinha que acabar, que chorar não é a coisa certa a fazer e que ninguém gosta de meninas choronas. Mas não conseguia, porque as lágrimas insistiam em cair.

Ao som de Adele, ela esperou que as ultimas gotas secassem, levantou-se e pegou na roupa mais confortável que encontrou. Em seguida, dirigiu-se à casa de banho e, depois de confirmar que ela estava libre, Elisa entrou pousou o telemóvel em cima do lava-mãos e rapidamente se despiu. Sem se permitir de ter tempo de olhar no espelho, ela pôs-se na banheira e banhou-se. Quando lavada, a menina vestiu-se o mais depressa que conseguiu e voltou para o quarto. Pegou na mala de viagem, e desceu. Tal como de manhã, a senhora Teresa estava a ler, mas desta vez estava no sofá.

-Estou pronta.- anunciou Elisa.

-Vai para o carro, eu vou já ter contigo.

-Onde está o pai?

-Ele teve uma urgência no hospital.- respondeu Teresa.

-Só para variar.- Elisa sussurrou e revirou os olhos. Mas mesmo tendo falado o mais baixo possível, a mãe conseguiu ouvir.

-Elisa!- dona Neves repreendeu.- É o emprego do teu pai: cuidar de pessoas cujas vidas estão em jogo. Pensava que já eras grande o suficiente para entenderes isso. Uma rapariga de dezasseis anos já devia ter maturidade, mas tu insistes em não crescer e continuar a agir como uma criança. Ninguém gosta disso, ninguém! Já pensaste bem no quanto egoísta és, já...- a lição de moral havia começado, e Elisa já tinha desligado. Ela conhecia todas as palavras da mãe de cor, então não valia a pena ouvi-las, não valia a pena sentir-se culpada por querer despedir-se do pai.

(...)

Eram vinte e duas horas e Elisa encontrava-se no avião. A despedida da mãe foi rápida: deram um abraço sem muito sentimento envolvido e a rapariga virou costas. Quanto ao pai, mesmo ainda tendo uma pitada de esperança que ele fosse aparecer no aeroporto, isso não aconteceu.

Ao lado direito dela estava um idoso careca a dormir e do lado esquerdo estava uma mulher que aparentava ter entre trinta e quarenta anos. Ela queria ter ido no lugar da janela para poder pensar enquanto observava as lindas nuvens de um típico dia de sol. Mas, infelizmente, não teve essa sorte. Então teve que pensar enquanto olhava para um banco preto com bolinhas azuis escuras e ouvia as pessoas ressonarem.

Nesse dia Elisa aprendeu algo: o tempo passa-se muito depressa quando nos distraímos com um monte de pensamentos estranhos e confusos.

Bolha de sabãoOnde histórias criam vida. Descubra agora