não vou chorar

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Os olhos da Lúcia eram, como é que eu vou dizer, eram olhos normais só que a retina do olho não existia (retina é o circulo preto que temos no olho e que fica no centro da íris) ela estalou os dedos e fechou os olhos, ao ouvir o estalo o cão tirou os óculos das mãos da Joana com a boca e entregou a Lúcia que os colocou depois de os limpar:

-vamos embora Lucas.-ela tenta encontrar a trela e quando consegue o cão começa a leva-la para fora do circulo, todos foram-se afastando sem dizer nada, umas pessoas iam embora, outras ficavam a olhar para a Joana e para as outras duas com cara feia e outros simplesmente olhavam com ar triste. Quando todos da roda tinham ido embora a Joana olhou para mim e veio até mim juntamente com as outras duas e antes mesmo de ela falar interrompi:

-não venham com histórias porque eu mesmo não sabendo o início sei muito bem que a culpa foi tua.-digo frio, o Vasco não disse nada mas também estava sério.

-vais defender uma rapariga que mal conheces em vez de mim?.-ela pergunta ofendida

-É ela tem razão, a culpa disto foi do cão dela.- a Ana diz e a Susana concorda.

-Ai é? Então digam lá o que foi que o cão fez?-pergunta o Vasco sério, para ser sincero o Vasco é daquelas pessoas que gosta de ajudar e que é super amigo e que detesta ver outras pessoas a gozarem com os ''diferentes'', ele gosta de os chamar assim para não se sentirem mal, resumindo se fores daqueles que goza com quem é diferente ele é capaz de te fazer chorar apenas com palavras.

-Ei Vasco tem calma, o cão babou-me a saia toda quando entrei no pavilhão e ainda estava com o meu caderno.-ela diz e eu acho que percebo o que aconteceu, o caderno deve ter caído e ele deve ter visto por isso para não estar a ladrar puxou a saia dela para o puder devolver.

-E não pensaste que podia ser para te chamar por teres deixado cair o caderno?-digo ainda mais frio.- Tu foste super cruel com uma rapariga que para além de cega não teve nada haver com isso, achas que isso foi certo?

-mas a saia foi cara e óbvio que não ia deixar ficar assim...-foi ai mesmo que comecei a ir embora.-Espera onde é que tu vais?

-vou procurar-la para que ela saiba que não tem que estar a ligar para o que tu dizes.- digo me afastando e indo na mesma direção em que o cão levou a Lúcia, o Vasco veio atrás de mim e enquanto andava-mos dava para ouvir aquelas três galinhas a gritar para não irmos e óbvio que não ligamos e fomos a nossa vida.

-Que cruel, fazer isto a quem mal conhece e a quem não tem forma de se defender sozinha.-diz o Vasco baixo.

-eu sei mas agora precisamos é de encontra-la.-digo e ele acena.

Lúcia on:

O Lucas levou-me por um tempo para não sei onde e quando finalmente parou mal dava para ouvir as vozes dos alunos, acho que estava-mos atrás dos pavilhões da escola, ele guia-me um pouco mais e senta-se e pelo que percebi era para me sentar também, sentei-me e encolhi-me toda escondendo a cabeça entre o peito e os joelhos:

-não vou chorar, não vou chorar, não vou chorar.-repito para mim mesma mas infelizmente quando mais dizia isso mais lágrimas queriam sair e acabei por desistir, senti o Lucas a meter a cabeça dele perto da minha entre os buracos que os braços faziam e a chorar baixinho, afastei a minha cabeça e procurei a dele, para a acariciar.-desculpa rapaz.

Querem saber porque razão aquilo que essa tal rapariga disse me atinge tanto? Bem em todas as escolas em que estive todos ou eram, simpáticos demais para mim ou eram brutos e tratavam-me mal mas querem saber o que eles me faziam por eu não conseguir ver?

*Atiravam-me coisas a cabeça

*chocavam comigo para me colarem coisas as costas

*tiravam-me as coisas

*estavam sempre a fazer piadas sobre a minha cegueira e outras coisas horríveis.

Mal consegui aguentar 3 meses naquelas escolas e foi por isso que a minha mãe foi sempre me mudando, não sabem quantas vezes mudamos de casa quase 4 vezes em 4 anos, mas na última escola em que estive conheci alguém que me tratava com uma pessoa normal sem pensar na minha falta de visão, a única amiga de verdade que tive, ela chamava-se Andreia, ela tratava-me como uma pessoa normal e defendia-me de todos os que gozavam ou tentavam me fazer mal e o melhor de tudo era que ela consegui ensinar-me a como me defender usando a audição e o tacto. Estão a ver morcegos? Bem a Andreia disse que também tinha uma prima cega que a ensinou como usar a audição a seu favor e ela ensinou-me a mim mas depois de algum tempo ela disse-me que iria para um lugar melhor e eu prometi-lhe que não voltaria a chorar por alguém me mal tratar e que certamente alguém como ela iria proteger-me e foi assim que a Andreia, a minha primeira e única amiga de verdade morreu e eu fiquei de aprender a me defender sozinha.

Limpei as minha lágrimas assim que ouvi passos a vir na minha direção e ouvi o Lucas a se levantar.

-finalmente conseguimos encontrar-te.-diz a voz de um rapaz que por momentos me pareceu familiar.

Sou,literalmente,cega por tiOnde histórias criam vida. Descubra agora