Ato I

57 1 1
                                    

Constância

Regina Umezaki

Ato I – Insistência

            -Aqui, eu guardei seu lugar.

            Ela se sentou, respirou fundo, olhou para os lados. Depois, olhou para ele. Sorriu.

            -Oi.

            Silêncio. Ele desviou o olhar, depois voltou a olhá-la. Os cabelos tinham crescido, as unhas estavam feitas. Ela ainda tinha aquela mania de colocar os cabelos para trás da orelha quando estava nervosa. Ótimo, ele também estava ansioso.

            Ela também o analisava. Tinha cortado o cabelo. Se vestia diferente. Tinha largado as camisetas de bandas e de trocadilhos ilustrados, usava calças ao invés de bermudas. Ainda estalava os dedos de nervosismo.

            Mais silêncio.

            -Que desgraça. – disse ela, sem jeito. – Nós nos conhecemos a vida inteira, e ainda assim parecemos dois estranhos.

            -Desculpe. – disse ele.

            -Ah, não é sua culpa. Acho que as pessoas simplesmente mudam, não é? – ela deu outro sorriso sem graça. Talvez o encontro fosse má idéia. Talvez devesse se levantar, ir embora e não olhar para trás.

            -Não, Charlie. – ele colocou as mãos sobre as dela, em cima da mesa. – Eu sinto muito. Por tudo.

            -Ninguém mais me chama de Charlie. – disse ela, rindo, mesmo que soubesse que ele falava sério e que rir provavelmente não era uma boa maneira de responder. – E está tudo bem. Sério, Ellie.

            Ele riu, não apenas porque acreditou, mas também por ouvi-la chamá-lo de Ellie. Desde a infância, eles tinham essa mania estranha de chamar um ao outro por apelidos que soavam trocados. Ela, Charlie, ele, Ellie. Às vezes, só se refeririam um ao outro pelo nome certo depois que as pessoas ao redor tivessem chegado à conclusão errada. Então, com aquele sorriso secreto de quem sabe das coisas, viravam Charlotte e Elliot.

            Conheciam-se, provavelmente, a vida inteira. Amaram um ao outro em várias ocasiões ao longo dos anos, infelizmente, nunca ao mesmo tempo. Se não estavam juntos, era por acaso. Tinham sido um casal uma única vez, aos oito anos de idade.

            Agora, sentados com uma mesa entre eles, não sabiam exatamente o que fazer.

            -Café? – Ellie queria alguma coisa, qualquer coisa, para ocupar as mãos e parar de pressionar as articulações dos dedos.

            Charlie apenas assentiu, colocando o cabelo para trás da orelha de maneira automática a cada cinco minutos.

            Fizeram sinal para uma garçonete, que anotou os pedidos e foi embora. O clima estranho continuou, o silêncio ocupando cada espaço vazio entre eles.

            -Você sabia que foi o meu primeiro beijo? – ela se arrependeu da frase no momento em que a disse, mas não havia muito o que fazer. Desde criança, dizia as coisas mais constrangedoras em momentos de aflição. Na verdade, se alguém ficasse em silêncio olhando-a durante tempo o suficiente, Charlie era capaz de falar os segredos mais reveladores apenas para afastar a sensação de estar sozinha, mesmo quando acompanhada.

            Ele apenas sorriu.

            -Você também foi a minha primeira. – disse, dando de ombros.

            -Mas você já tinha beijado garotas antes de mim, eu me lembro daquela... – ela parou de falar quando ele ergueu as sobrancelhas, num gesto meio sugestivo, meio desconfortável. – Ah.

            Os dois costumavam ter essa teoria de que, se duas pessoas ficassem frente a frente durante muito tempo, em silêncio, significava que nunca poderiam ficar juntas, porque a conversa era simplesmente importante demais para que sua falta fosse relevada num relacionamento, fosse uma amizade ou um romance. Por isso, durante a vida toda, conversaram sobre os mais diversos assuntos, desde filmes infantis até literatura clássica. E, como Charlie tinha claramente feito uma tentativa de manter a conversa fluindo, Ellie sentiu que devia contribuir de alguma maneira. Não sabia, no entanto, o que dizer. Na verdade, só conseguiu pensar em uma coisa:

            -Porra, Charlie, o que foi que aconteceu com a gente?

            Nenhum deles sabia a resposta. A verdade é que eles tinham tido todas as possibilidades e todo o sentimento, mas em momentos distintos de suas respectivas vidas. Tinham se gostado cedo demais, depois tarde demais. Eventualmente, tinham até se odiado mutuamente.

            Eles davam um ao outro o que podiam, desde sempre. Mas, em algum momento, tinha sido demais. E, ao mesmo tempo, muito pouco.

            -No dia em que você me ligou, - disse ele, dobrando um guardanapo – Eu ia ligar. Mas não sabia o que dizer, porque já fazia tanto tempo. Achei que talvez você fosse desligar na minha cara.

            -Eu não teria desligado, – o café finalmente chegou, mas ela apenas empurrou a asa da xícara, girando-a. – Não antes de gritar com você por ter parado de telefonar.

            No entanto, ambos sabiam que não havia sentido em delegar culpas, então a discussão parou por ali. No fundo, o que realmente queriam era descobrir se ainda significavam algo um para o outro. Depois de provar o café, olhar a xícara durante alguns instantes e respirar fundo, Ellie começou:

            -E então, Charlie; O que você tem feito?

ConstânciaOnde histórias criam vida. Descubra agora