Ato II

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Constância

Regina Umezaki

Ato II – Desistência

            -A gente vai casar ou não?

            Ellie bufou, revirando os olhos, mas foi até onde Charlie o esperava com a irmã menor, uma garotinha um ano mais nova do que eles. Por algum motivo indizível, ele tinha concordado em ser o marido dela naquela tarde. Mona era uma menina de personalidade forte e irritadiça que fazia questão de ser a noiva. Charlie, que não era do tipo que gostava de vestidos, era o padre. Nunca tinha se importado; Odiava vestidos, porque eles não permitiam correr com a liberdade de um bom shorts, um fato do qual os dois tiraram vantagem cinco minutos depois, quando Ellie decidiu que era muito jovem para se casar. Saíram ambos correndo, deixando Mona com uma toalha branca amarrada na cabeça, tentando erguer as saias do vestido da mãe para persegui-los.

            -Ellie! ELLIE! – Charlie acelerou o passo para alcançá-lo. Ele sempre tinha sido muito mais rápido. – Me espera!

            Ele desacelerou e depois acertou a velocidade para correr ao lado de Charlie. Ela sempre acabava parando para respirar, mas ainda assim era admirável como sempre se esforçava para estar ao lado dele. Provavelmente era a única garota na vizinhança que conseguia brincar com os meninos de igual para igual, nem tanto por ter a mesma força ou habilidade física, mas por ter o dobro de força de vontade.

            E, para eterno deleite de Ellie, ela tinha um apelido de menino. Assim, nunca passava vergonha quando falava que seu melhor amigo era uma pessoa chamada Charlie.

            -Ei, Charlie? – enquanto ela recuperava o fôlego, ele aproveitou para formular a pergunta que vinha querendo fazer há semanas. – Por que você nunca é a noiva?

            -Sei lá. – disse ela. – Não gosto muito daquele vestido da mamãe. E é muito importante para a Mona.

            -Mas se você quisesse, ela deixaria você ser uma vez, certo?

            Charlie deu de ombros, sentando-se na calçada. Ela não tinha entendido exatamente o que ele queria perguntar.

            -Charlie. – quando teve certeza de que ela estava olhando, ele respirou fundo e perguntou num só fôlego: - VOCÊQUERCASARCOMIGO?

            Ficaram num silêncio estranho durante alguns segundos. Depois, ela deu um sorriso que ele aprenderia a amar ao longo dos anos seguintes, mas que naquele momento tinha uma falha onde um dente de leite tinha caído.

            -Claro, Ellie. É claro que eu me caso com você.

.

            Em uma semana os dois já tinham esquecido o casamento, mas cinco anos depois Charlie ainda sorria ao pensar naquela tarde. Ainda que ela tivesse se recusado a usar um vestido, Ellie tinha lhe arranjado um buquê de flores. Ela não pretendia contar a ele que tinha sido seu primeiro beijo (ainda que fosse um daqueles beijos de criança).

            Agora, ambos tinham treze anos. Ele era um menino magricela e encapetado que arranjava todo tipo de confusão e briga. Já tinha quebrado o nariz duas vezes naquele ano, uma vez ao cair de uma árvore e outra ao receber um soco de um garoto duas vezes maior. Charlie sorria ao se lembrar de como ele, ao invés de se envergonhar de ter apanhado, exibia orgulhosamente as cicatrizes de guerra. Oliver, o garoto de quem tinha apanhado, era agora seu melhor amigo.

            Elliot não sabia, mas Charlie gostava dele. Gostava como em gostar. No entanto, ela sabia que ele gostava de outra garota, porque eles eram amigos desse tipo, que conta absolutamente tudo um para o outro. Também sabia que essa garota se parecia muito mais com uma menina do que ela jamais conseguiria, mesmo se esforçando. Ela olhou para o próprio reflexo no espelho e resolveu que decididamente não conseguia usar vestidos. Seus joelhos eram muito ossudos e ela parecia desengonçada. Não. Despiu-se e colocou um jeans e uma camiseta. Depois, percebeu que vestia uma das camisetas que Ellie tinha largado lá na volta de um treino. Enrubescendo, colocou os cabelos atrás da orelha e se trocou de novo.

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