Um

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Olho para o lado e vejo minha mãe sorrindo com aqueles dentes brancos perfeitos, só de olhar para ela o sorriso triste que havia em meu rosto de criança se curvam para cima deixando o pequeno sorriso agora mais real e mais feliz. Ela me puxa para mais perto, apesar de estarmos a dois palmos de mãos de distância, e me abraça forte, tão forte que quase perco o ar, mas não me importo e recebo aquele calor de seus braços. Enterro minha cabeça em seu ombro, deixando seus cabelos cor da noite me cobrir. Quando ela me afasta percebo lágrimas lutando para sair de seus olhos cansados mas iluminados.
-Mamãe, poque está chorando? -Pergunto a olhando tentando descobrir alguma coisa.
-Eu te amo tanto Lisa, que acho que qualquer hora irei explodir de tanto amor que tenho por ti!- Antes que refaça a pergunta de novo, seus dedos tocam minha barriga freneticamente me fazendo tombar para trás da pequena cama onde dormiamos juntas. Rio e minha barriga dói de uma forma boa depois que ela para as cosquinhas. Recupero o fôlego e me sento de novo, ainda rindo, percebo que ela também ri. Sua risada provoca uma melodia que faz cosquinhas em meus ouvidos também.
Ela me dá um beijo e se dirige para a cozinha se é que posso chama-la assim, pois a sala também está dentro dela, fazendo ficar apenas um único lugar.
Meu pai chega, quase derrubando a porta que ele mesmo colocou após ganhar de um amigo que não a queria mais por ser um tanto "feia". Ele arruma a postura que estava curvada de cansaço e vem em minha direção se esforçando para não parecer esgostado do trabalho, sorrio para ele e pulo em sua direção, ele me pega no colo e enrolo meus braços em sua nuca, me sinto protegida quando estou em seu colo, parece que posso ser qualquer coisa que eu queira ser, chorar e ninguém vir me perguntar o motivo, rir por coisas pequenas que os outros chamariam de loucura, somos somente eu e ele, e nada mais importa, gosto desta sensação. Ele me coloca no chão e pergunta como foi meu dia.
A cena muda. Estou sentada na pequena mesa de jantar, encaro o prato a minha frente, tão pouca comida que já fico com fome só de olhar. Tento comer, não tão de pressa, para ter a sensação de que há bastante coisas para saborear. Pego um pedaço de carne de meu prato e penso como meu pai conseguiu comprar ela, ultimamente não tinhamos refeições com mistura, por falta de dinheiro.
O jantar segue em silêncio, mas não um silêncio incômodo, um silêncio que fala bastante, como se conversasemos assim.
Ouço um barulho alto e forte com algo caindo e me viro. Nossa porta, que agora não poderia mais chamar de porta, está no chão, e grandes homens uniformizados com um tecido azul escuro e com grandes armas entram em nossa casa, não se importando em derrubar nossas poucas mobílias. Meu retrato de quando eu tinha dois anos, junto aos meus pais cai no chão, espalhando pequenos vidrinhos pelo tapete de minha avó. Reprimo um grito e levo minhas mãos a boca.
-Mamãe!!! -a olho, meu pai a puxa para trás se colocando em sua frente e levando as mãos ao alto, como os guardas reais pedem.
-Elisa, saia daqui! Agora! -meu pai diz sem tirar os olhos dos guardas que agora apontam as armas para seu peito.
-Pai...o que está acontecendo? -pergunto sentindo minhas bochechas molharem e minha visão embaçar um pouco- O que o senhor está fazendo?! -grito, fitando os guardas.
Um deles sorri de lado para mim.
-Seu pai, é um farsante, que ousou se por ao próprio rei, o traindo de forma tão tosca. Ele é um criminoso. E se você continuar com esse escandalozinho pagará, assim como ele. -diz o homem que não sorrio para mim, me fitando sério. Minha mãe sai de trás de meu pai e me puxa para o canto da sala. Suas mãos tremem.
-Lisa, saia daqui...Eu te alcanço depois..-diz minha mãe baixo,me olhando, suas lágrimas caem assim como as minhas.
-Mas mãe...-Ela me abraça. Percebo que meu pai tenta conversar com os guardas, mas eles não aceitam e parte em sua direção dando vários socos em sua barriga. Grito mas minha mãe segura meu rosto fazendo eu a encarar.
-Te amamos tanto Elisa... -diz ela com a voz trêmula, mas me olhando firmemente- Agora vá...corra para o mais longe...agente irá se encontrar, sempre nos encontramos -ela seca uma das milhares lágrimas que cai em meu rosto. Ela retira o anel de minha avó de seu dedo tremulo e coloca em minha mão. A olho, nao consigo falar, minha voz sumiu. Apesar de me doer, me viro e corro para as portas do fundo. É noite, não há ninguem fora de casa, corro e tropeço várias vezes mas não paro de correr, tentando pensar nas falas que minha mãe havia me dito, sempre nos encontrariamos. Tento com a mão limpar as lágrimas de meus olhos, mas acabam provocando ainda mais lágrimas, minha respiração falha, ouço barulhos de vários tiros vindo na direção de minha casa, dois pés batendo forte e rindo alto, tão alto que escuto mesmo estando de longe. Me viro e vejo um ponto à frente se iluminando, com chamas queimando o grande céu azul escuro da noite. Minha casa....meus pais.
Acordo gritando, me sento em minha cama e olho ao redor, Mia se senta na cama dela me olhando feio com a cara ainda de sono.
-Meu deus Lisa! De novo esse sonho?!

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