A noite que não aconteceu

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Ficamos os dois ali, deitados lado a lado, esperando que a energia voltasse. Trovões ribombavam num alerta de que isso não seria assim tão breve. O barulho e vento vindos do mar era uma espécie de conforto além da corrente elétrica que Will emanava através de seu leve toque, nossos mindinhos entrelaçados.

- Medo de chuva Clark? - ele me perguntou depois de alguns segundos.

- Medo dos trovões. - admiti, afinal a esta altura era pouco provável que eu conseguisse esconder alguma coisa sobre mim à Will. Movi meus pés um sobre o outro. Ele respirou serenamente como vinha fazendo naquela última semana e isso era mesmo reconfortante. Me ergui sobre o cotovelo e me deitei de lado afim de vê-lo melhor ali na penumbra. Ele tombou a cabeça para me fitar. Sua expressão esboçava um fino sorriso e seu rosto, apesar dos tons azulados que a tempestade lhe conferia, estava tranquilo e saudável. - Sabe Will, há alguns meses se você mesmo me contasse sobre esta cena eu não teria acreditado.

- Bem, eu não preciso contar nada porque é a verdade e quer uma confissão? - anuí. - Eu também não acreditaria. - rimos breve. Alisei seu rosto devagar, os cabelos meio úmidos ainda pelo banho que Nathan lhe dera antes de se transferir para o quarto ao lado.

- Está se sentindo bem de verdade? - perguntei. Outro trovão me fez piscar e encolher instintivamente os ombros.

- Estou sim, mas especialmente por você. - ergui um pouco a sombracelha. - É, por estar aqui e pelo o que tudo isso vai impactar em você daqui a alguns anos. - mordi os lábios, ele tinha conseguido alcançar mais um de seus objetivos a meu respeito: me tirar da zona de conforto. - Sabe Clark, pode parecer besteira, mas tem coisas que precisamos vivenciar pra podermos nós mesmos tirarmos nossas próprias conclusões, até as coisas ruins.

- Quem está tagarelando agora, hein? - perguntei numa espécie de piada, embora eu soubesse exatamentte do que ele estava falando. Um vento forte acompanhado de outro trovão fez a porta da varanda se abrir com veemência ao que me ergui de um salto. - É melhor eu fechar, não queremos um resfriado oportunista, certo?

- Deixa. - ele disse displescente, sua mão boa ainda me contendo de leve pelo pulso. - Assim posso ver o mar e estou bastante aquecido aqui com essa renca de edredons que você colocou. - dei de ombros. Apesar do clima mauriciano ser considerado tropical, a tempestade trouxe consigo um ar frio o suficiente para ameaçar a segurança de Will. Me deitei novamente, ele segurou minha mão apertado como podia. Não sabia explicar exatamente a dimensão de tudo o que eu estava sentindo naquele momento, mas o fato era que o medo que eu costumava ter de noites como estas quando criança, parecia mera lembrança. Inconcsientemente eu me sentia no dever de afastar qualquer sensação de medo e insegurança dele, mas era exatamente o contrário. Voltei a mirar o teto, enquanto sentia seu olhar de soslaio sobre mim. Engoli em seco. - Nervosa?

- Um pouco. - respondi tão depressa que até eu fiquei surpresa.

- Não fique, já ficamos a sós outras vezes e desta vez você nem está usando seu vestido vermelho e provocante. - Tombei a cabeça para o lado dele e nossos rostos ficaram próximos o bastante para sentir sua respiração quente.

- Will...

- Sim...? - seu olhar oscilou entre minha boca e meus olhos. Vacilei, nossas testas ficaram rentes. Busquei seus lábios macios e pra minha supresa ele retribuiu ao beijo. Minha respiração denunciou o meu pânico repentino e também a urgência em beijá-lo. A verdade era que eu amava Will Traynor, amava tanto que não conseguia mais me imaginar um dia sequer longe de suas críticas, seu mau humor cheio de sarcasmo, a forma como me intimidava e principalmente o jeito como agia quando eu batia de frente com toda aquela postura autiva e mandona. Sim, antes que pudesse evitar eu me apaixonara por aquele Will que ninguém conhecia tão intimamente e tinha razões pra acreditar que ele também sentia o mesmo. Resfoleguei quando nos afastamos. - Isso foi muito bom Clark, bastante ousado para os seus padrões, devo dizer. - ele disse com seu habitual senso de humor desconcertante e mais uma vez nossos lábios se uniram, desta vez num beijo mais intenso, úmido e cheio de segundas intenções que afligiam, talvez mais a mim que a ele. Sem pesar meu corpo deiteime sobre ele. Senti sua mão roçar de leve a lateral de minha coxa, talvez fosse um bom sinal. Eu havia lido muito a respeito de como os tetras podiam sim ter um relacionamento normal, com algumas limitações óbvias, mas nada impossível se ambos estivessem dispostos a ir com calma. - Eu estou machucando você? - perguntei apreenssiva quando ele arfou. Houve um tempo em que eu morria de medo de que um mero esforço pudesse deixa-lo doente, ou quebrar algum de seus

ossos, mas agora eu sabia que não era bem assim. Sabia também que a falta de sensibilidade em quase todo o seu corpo acabava por aguçar as partes que ainda podiam se mover. Sua boca, seus olhos, seu coração batendo ávido tanto quanto o meu, tudo isso era prova de que minhas "pesquisas" não eram insólitas.

- Eu não sou de vidro Clark. - respondeu longe de seu tom taciturno. Afastei uma mecha solta de meus cabelos. - Há muitas coisas que eu gostaria de fazer com você numa situação destas. Durante estes dois anos eu evitei pensar em coisas assim por simplesmente ter a certeza de que não ia mais acontecer. - ele desviou o olhar por alguns segundos, permaneci calada. - Mas sabe, desde o dia do concerto e quando dançamos no casamento de Alicia eu senti que se tivesse de tentar algo, mesmo eu não sendo um homem que goste das coisas pela metade, definitivamente, seria com você e só com você Lou. - aquelas palavras me atingiram em cheio. Senti meus olhos queimarem, mas estava longe de ser por qualquer sentimento de pesar ou tristeza. Me senti tão lisongeada e importante que todo o receio que ainda restava em mim sobre seguir adiante com isso esvaiu-se. Se ele estava disposto a tentar, eu também podia e queria isso. Fiquei ainda mais surpresa quando ele mesmo começou a desabotoar a camisa de seu pijama cinza de seda pura. - Vamos, me ajude com esse pijama idiota e sim, você pode fechar a porta antes que a culpa por eu pegar algum resfriado te assole fatalmente. - eu ri e fui até a porta fechando ela com cuidado, passando as chaves para garantir que não seria mais aberta. Me sentia uma adolescente na noite de seu baile de formatura quando voltei pra cama e o ajudei a se livrar da camisa. Suas cicatrizes tinham praticamente desaparecido, ele parecia realmente bem depois daquela pneumonia e as dores pareciam ter dado alguma folga. Me sentei sobre ele, uma perna de cada lado. Will me olhava com tanta intensidade que senti meu rosto corar. - Você é mesmo uma mulher fascinante. - seus dedos quadrados encontraram os meus quando ergui de leve sua mão.

- Acho que você fez com que eu me sentisse assim. - beijei de leve as pontas, ele fechou os olhos. - Estou com um pouco de medo Will, precisa me dizer imediatamente se sentir alguma dor ou mal estar, promete? - não era o tipo de coisa que as pessoas comuns diriam durante as preliminares do sexo, mas não éramos um casal comum, as circunstâncias não eram comuns, e depois de algum tempo cuidando dele, eu sabia que minha preocupação não era algo que o irritava mais. Ele nem respondeu, apenas tomou também minha mão para si e beijou os nós de meus dedos um por um, provocando arrepios em cada extremidade do meu corpo que eu jamais pensei poder sentir daquele jeito. Tirei minha blusa e senti que ele também não pode controlar a excitação ao vislumbrar meus seios e nossos corpos tão próximos. Me curvei e o beijei de novo. Queria que ele se sentisse parte de cada gesto dali em diante. Embora dependesse de mim totalmente as iniciativas pra conduzir o

ato em si, me recusava a fazer Will se sentir mero coadjuvante de algo tão especial e bonito. Senti seu hálito quente em meu pescoço e em meu colo. Fiz com que sua mão apertasse de leve minha cintura sustentando seu braço e afagando seus cabelos meio desgrenhados agora. Em poucos segundos uma camada fina de suor se formou sobre sua testa, mas pude ver que ele estava sorrindo. Devagar eu me ajeitei sobre seus quadris até que nos encaixamos de vez e Will deixou escapar um leve gemido, cerrando os dentes e comprimindo seu rosto no espaço entre meu ombro e pescoço. E eu também o senti. Tão intenso que apertei o lençol entre meus dedos quando murmurei algo sem sentido em seu ouvido. Num vai e vem valseante e cauteloso eu me senti totalmente entregue àquela sensação maravilhosa que era fazer amor com ele, do mesmo modo que talvez Will se sentira tão livre quando as ondas do mar bateram de leve em seu corpo horas mais cedo.

- Eu te amo Will Traynor... - sibilei num sussurro e meu corpo estremeceu de leve sobre o dele. Um leve espasmo, um sorriso torto e logo entendi que ele também tinha chegado ao êxtase. Seu coração batia descompassado, mas desta vez não fiquei aflita. Me deitei ao lado e rente, minhas pernas enroscadas nas dele, puxei seus braços afim de que me abraçasse enquanto nossas respirações voltavam ao ritmo normal. Era como se por alguns minutos o resto do mundo ao redor tivesse parado e só restasse nós dois e nossos pensamentos. Senti seus dedos roçando minhas costas, enquanto eu acariciava seu peito, a cabeça apoiada ali. Não foi necessário dizer nada, agora mais do que nunca eu sabia exatamente o sentido de viver nossas próprias experiências e superar nossos medos e ele também. Sabia que mais um desafio tinha sido vencido naquela noite. Sabia que o mais impactante fato em minha vida chamava-se Will Traynor e ele estava bem ali e eu nunca mais o deixaria sozinho.

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