Prólogo

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E então eu corri.

Corri mais do que pensei que um dia pudesse correr. Corri sem sentir, sem me importar. Estava cansada de me importar, de ter o peso não só da minha, mas de todas as vidas à minha volta em minhas mãos. Pela primeira vez na vida, eu não queria me preocupar do que ou para que eu corria. Só tinha essa certeza cega de que devia chegar lá. Então corri.
Abri o portão que me levaria para a rua em um movimento brusco, sendo recebida pela forte claridade do sol. Meus olhos, desacostumados à luz, se fecharam instantaneamente, enquanto minhas mãos tapavam meu rosto em um reflexo protetor, como se a luz do sol fosse me fazer algum mal. 

Ah, a ironia. 

Alguma parte do meu cérebro, uma que ao contrário das outras não estava anestesiada, processou o fato de que fazia um bom tempo que eu não saía de dia. Havia me afastado da luz, tanto a física quanto a simbólica. Eu havia deixado que ele me envolvesse em sua escuridão, fortalecendo a minha. 
Eu finalmente entendi que aquilo não era ruim. Bem e mal são conceitos relativos quando se leva uma vida como a minha, eu devia ter aprendido isso antes. A escuridão nem sempre é ruim – não, por vezes ela se mostra gentil, confortável, acolhedora. A escuridão dele era assim, e por mais amarga e odiosa que por vezes me parecesse, era o que havia me mantido de pé, me dado forças, e de um jeito estranho, foi o que reacendeu uma espécie de claridade no meu coração. A sombra dele era a minha luz. Mas até isso havia sido arrancado de mim.
Continuei a correr, sentindo meu coração batendo forte no peito. Eu queria poder odiar aquela sensação, mas ódio era um sentimento, e no momento eu me encontrava vazia, incapaz de realmente sentir algo. As batidas continuavam a bombear sangue para o resto do meu corpo, mas falhava no transporte do que eu mais precisava no momento. Calor. Eu me sentia fria, por fora e por dentro. Fria como ele, e por um breve e louco segundo, desejei que meu coração não precisasse bater, assim como o dele. Mais do que isso, desejei poder simplesmente virar pó, da mesma forma que ele.
Estranho como agora, nos prováveis últimos momentos da minha vida, a palavra “ele” apareça tanto em minha mente. O clichê estava certo afinal de contas: relembramos nossa vida antes do fim. O que me perturba é pensar em quando exatamente minha vida se resumiu a isso. A ele.
Ele, a quem eu jurei odiar até o fim. Ele, que nunca deixou de me amar mesmo quando eu só pisava constantemente em seus sentimentos. Ele, a última pessoa do mundo a qual eu pensei ser capaz de amar algum dia.

Simplesmente ele.

Oh, como é fácil admitir isso agora. Tão dolorosamente fácil. Como pode o destino ser tão cruel a ponto de, quando eu finalmente me vejo capaz de admitir o que no fundo eu sempre soube, arrancar de mim aquele que foi capaz de curar meu coração? Ele merecia ter ouvido essas três palavras mais vezes. Eu te amo. Oh céus, eu te amo!
As lembranças dos últimos meses começaram então a me atingir com força total. Se esse é o fim, ao menos quero ir tendo esses momentos em mente. A forma como ele, da maneira mais improvável e inesperada, forçou a entrada do meu coração, me dominando de corpo e alma.

Meu nome é Emily Scott, e essa é a minha história.

Bite Me - L.HOnde histórias criam vida. Descubra agora