Beijo na Boca

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Elisa acordou surpresa. Ele dormia ao seu lado. Tinham se conhecido na noite anterior, num jantar de aniversário de uma amiga em comum. Ela ficou logo interessada nele, com seu corpo volumoso, alto e um longo rabo de cavalo que organizava o seu cabelo grisalho. Tinha um ar rebelde, bastante diferente do seu. Quando todos se despediram ao final do jantar, eles decidiram tomar uma última cerveja no bar ao lado: ¨estou ansiosa para saber mais sobre a sua viagem ao Quênia¨. Ela nem lembrava onde ficava o Quênia. Não chegaram ao bar. Mãos ansiosas, línguas sedentas e gemidos contidos os conduziram a um diferente caminho. Em pouco tempo, a casa de Elisa tinha roupas emaranhadas no chão e corpos nus na cama. ¨Eu não costumo ser assim, logo no primeiro encontro¨. Ele não queria saber. De manhã, aquele certo constrangimento, marcas da noite passada no lençol, no pescoço de Elisa e nas costas dele. Vestiram-se em silêncio. Silêncio que foi quebrado pela estranha pergunta daquele inusitado amante: ¨Quer uma carona para o trabalho?¨. Ela queria. Como queria. Será que pediria o seu telefone? Talvez a promessa de mais um encontro..? Não importava, ela chegaria ao trabalho acompanhada. Durante o percurso, na garupa da moto do seu homem - ela detestava motos - a mente vagava: ¨Como me despedir? Um abraço? Um beijinho na sua bochecha barbada?¨ A moto parou sobre a calçada em frente a porta principal do edifício da Ourinveste na avenida Paulista, quase atropelando a Marineide da contabilidade e a Célia do RH que chegavam para mais um dia de trabalho. Ele resolveu o problema. Agarrou-a pela cintura e Elisa deleitou-se com um longo beijo selvagem à porta do seu escritório. Marineide quase derrubou o café em cima de um dos milhares de pedestres que passavam àquela hora do dia naquela calçada. A conversa na hora do almoço seria agitada.

A poucos metros dali, Juliana e Roberto terminavam o café da manhã na padoca ao lado do metrô. Café e pão na chapa para ela, suco de laranja e pão de queijo para ele. Ela adorava quando ele pedia suco de laranja e o sabor que ficava em sua boca. Todos os dias desciam do prédio juntos, tomavam café da manhã juntos e saboreavam um beijo de língua sabor a café com laranja enquanto o Zé da Padaria preparava a conta pensando na boca sensual da sua mulher que ele tanto mordiscou essa manhã no ponto do ônibus.

Em outro ponto da cidade, a Mari, sobrinha do Zé da Padaria e que não gostava de ser chamada de Mariana, saiu da sala de aula mais cedo. Estava desconcentrada demais: ¨Não vai rolar ver a aula até o fim¨, sussurrou para Joana, sua amiga da faculdade. Desceu as escadas e passou na janela da sala onde o Daniel assistia a uma aula de química. Ele a viu lá fora, desenrascou uma desculpa e foi ao seu encontro. Passaram a manhã toda sentados no banco atrás da faculdade, perto da lanchonete e ao lado do Banco do Brasil, no maior amasso. Daniel estava excitadíssimo, sua mão tinha chegado ao soutien. Mari estava ansiosa: ¨Será que agora ele vai querer namorar comigo?¨. Tão perdidos que estavam no calor dos seus corpos, não repararam em Gisela, a ex do Daniel, que passava chorando ao pé deles, ou em Jorge, o ex da Mari, que seguia de mãos dadas com a Fê só para fazer ciúmes à Mari, por quem ainda era apaixonado. Sem conseguir chamar a atenção da sua amada, Jorge acabaria por descontar sua raiva num beijo sufocante e interminável, do ponto de vista da Fê, no banco do metrô que os levava ao centro da cidade. Quando ele se desgrudou da sua boca, Fê estava distraída, enternecida pelo beijo meigo que um rapaz à sua frente dava em sua... esposa? namorada? amante?... no meio da multidão chacoalhando no metrô.

Mario não reparou na Fê, no Jorge ou no rapaz apaixonado. Tinha acabado de chegar à cidade desolado, traído, desiludido. Percorreu várias ruas com o olhar fixo no chão, não estava com humor para fazer amigos. Parou para amarrar o sapato e sentiu um frio percorrer a espinha: duas universitárias se beijavam na esquina. Levantou-se mais animado, já não andava olhando para o chão. No caminho sem destino, reparou num selinho roubado, num beijo de língua afobado, em beijos de novela meio ensaiados e em um chupão disfarçado. Amassos, línguas escorregando por braços nus, mãos nada discretas fugindo para dentro de blusas e calças, cabelos enroscados, corpos ofegantes e gemidos de prazer ele começou a reparar em vários cantos da cidade. Pouca gente olha, pouca gente repara, é apenas mais um elemento que compõe esse caótico cosmos que é São Paulo. Concluiu que facilmente poderia se adaptar.


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beijo na boca: um conto paulistanoOnde histórias criam vida. Descubra agora