Introdução

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Um griffon sobrevoava Zial passando por colinas, montanhas, vilarejos e um palácio, passava por dentro das poucas nuvens daquele imenso céu azul celeste, rodopiava no ar e se lançava no chão para depois alçar voo novamente como uma criança brincando. Seu espírito exalava paz, e foi nessa paz que ele se viu obrigado a desviar de um objeto que vinha em sua direção, era uma bola de fogo.

Sem entender o que estava acontecendo ele olhou para baixo e viu vulcões entrando em erupção, o céu azul agora estava negro e a terra de colinas e montanhas verdes cuspia e sangrava fogo. Agora ele podia ouvir os gritos pedindo por ajuda que as criaturas desesperadas suplicavam em meio ao mar de lava, e ele desceu voando em meio ao caos na tentativa de ajudar nem que fosse uma única alma a sair daquele verdadeiro inferno, mas o pobre griffon não foi capaz. Antes mesmo de chegar perto do solo ele foi atingido por uma bola de fogo que era lançada do vulcão e caiu atordoado no chão.

Ao tocar o solo banhado em lava, sua penugem entrou em combustão e em entre as labaredas de fogo que lambiam sua pele, o deixando cada vez mais desesperado, uma estranha calma o tomou e ele não mais tentava resistir ao seu triste fim. Seus olhos pesaram, cansados pelo esforço que ele tinha feito para sobreviver, até que o pobre grifo mergulhou na escuridão da inconsciência.

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Walter estava em seus aposentos há dias. As pessoas não entendiam como o líder do templo dos profetas que era símbolo de razão e gentileza havia chegado ao estado de se trancar em seus aposentos e se negar a ver qualquer pessoa, não fazia sentido que um líder tão dedicado abandonasse os seus.

Cinara, sua aprendiz mais dedicada, estava a sua porta a algum tempo tentando escolher entre batê-la ou ir embora e deixar seu mestre decidir quando se mostrar de novo. Seus pensamentos foram interrompidos pelo barulho da porta se abrindo. Walter não era o mesmo que tinha se trancafiado a tempos em seu quarto, ele havia perdido vários quilos e sua barba e cabelos brancos estavam ligeiramente maiores. Dava para ver que ele não tinha se cuidado de nenhuma maneira e pelo seu cheiro, não tomava banho há dias. Ele tinha um sorriso estampado no rosto que não chegava aos olhos, sua face tinha perdido a vitalidade e sua expressão parecia doentia.

Ele se dirigiu a sua aluna e lhe sussurrou com uma voz tremula pelo seu estado de insanidade.

- Oh, minha pequena aluna. Tão jovem e vai morrer.

- O-o que? - Cinara perguntou assustada e rezando para ter escutado errado.

O sorriso diabólico no rosto de Walter aumentou, mostrando seus dentes amarelados pelo tempo e sua voz saiu em meio a uma gargalhada insana quando ele repetiu.

- Eu disse que você vai morrer, todos nós vamos, pois ninguém vai resistir ao fim dos tempos. Ele está próximo e ninguém pode fazer nada para salvar essa terra de pecadores de arder nas chamas do inferno.

O rosto de Cinara era puro terror e diante disso ele gargalhava, sua risada era interrompida por tosses que se tornavam mais frequentes. Logo ele estava cuspindo sangue, mas não se importou. Cinara, vendo a cena, gritou por ajuda completamente desesperada enquanto Walter se sentava no chão se encostando na parede, a gargalhada estava mais forte e o corpo velho dele tremia até que um profundo silêncio caiu sobre o corredor.

Cinara cautelosamente se aproximou dele e ao checar seu pulso constatou que ele estava morto e mesmo assim o sorriso não deixou seus lábios no ultimo suspiro.

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Cinara não parava de pensar no que seu mestre falara, mas algo lhe dizia que mesmo todos falando que ele era louco e que estava somente alucinando, e que ela não deveria dar atenção ao que ele dissera, no fundo Cinara sabia que havia verdade em suas palavras. Tal era a sua agonia com as palavras que o seu mentor dissera que começou a ter sonhos com um grifo que via a destruição de Zial, ela estava com medo de estar ficando louca como Walter tinha ficado e começava a entender como ele ficou naquele estado, se ele estava tendo os mesmos sonhos agonizantes que ela.

Chegou ao ponto de não querer sair do quarto e da biblioteca, sempre fazendo pesquisas de como sobreviver ao desastre de seu sonho. Isso estava a consumindo de uma tal maneira que os líderes profetas desconfiavam que seja lá o que Walter tinha, ele passara para ela.

- Oi, Cinara. Tudo bem? - seu novo mentor se aproximou de dela.

Cinara estava no pátio, pois os líderes praticamente a obrigaram, falando que faria mal ficar no quarto sozinha ou na biblioteca.

- Não, eu não estou nada bem. Vocês estão me obrigando a ficar aqui perdendo tempo enquanto eu preciso saber como salvar Zial. Vocês são uns burros, o que meu mentor tinha não era doença, era uma profecia - começou a rir de modo doentio e os olhos começaram a lacrimejar - Assim como eu também estou tendo, mas vocês não enxergam - fitou o nada com os olhos distantes daquele plano como se pudesse ver a terra já em chamas e seu sorriso doentil aumentava conforme via um futuro com pessoas queimando e gritando agoniadas - E é por causa dessa burrice que vocês vão morrer queimados no fogo do inferno.

Ela se levantou e saiu em direção a biblioteca, na esperança de já poder entrar. Queria concluir suas pesquisas rapidamente, porque sabia que isso ia acabar a matando assim como matou seu querido mentor. Cinara sabia que seus dias estavam contados e iria usá-los do melhor jeito possível.

Os dias foram passando e a essa altura ela não saia mais do quarto, não queria mais olhar para ninguém, pois sempre que olhava via seus corpos queimando e a pele desgrudando do corpo, deixando seus rostos desfigurados. Sabia que existia salvação, em poucas visões um ser de luz aparecia para salvar pessoas escolhidas por ele, porém ela também via trevas nessa luz e era essa a sua dica de como salvar o mundo. Então começou sua pesquisa por criaturas com luz e trevas, nunca tinha ouvido isso, mas tinha que ter certeza, e confirmado uma vez que não havia, Cinara começou a pesquisar modos de criar um ser assim.

Só que seus dias, nem seus esforços, foram suficientes e em um fatídico dia o desespero e o medo conseguiram parar o seu coração para sempre.

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