Naquela tarde os raios de sol pareciam mais quentes do que o costume. A luz emitia um calor estranhamente reconfortante. Eu estava completamente aborrecida, deitada de barriga para baixo na minha toalha verde, ouvindo uma música onde predominava maioritariamente o som de uma guitarra, batendo com os dedos no ar, imaginando-me tocar aquele instrumento (o meu naquele caso era invisível). Os meus pés, que se encontravam no final daquele pano fofo, estavam de momento totalmente enterrados. Sentia grãos de areia serem movidos verticalmente, provocando-me arrepios pela espinha. A minha irmã Willow tinha na sua mão uma das suas pás e aparentemente tinha posto na cabeça que era de grande importância tapar-me os pés.
Nolan, o meu segundo irmão mais novo encontrava-se sentado na areia a olhar para o mar.
-Saige ajuda-me a fazer um castelo de areia!- Olhei para trás e vi Willow cruzar os seus pequenos braços, fazendo uma cara de amuada. Mesmo fazendo um grande esforço, ela não conseguia parecer chateada, as suas adoráveis sardas e os seus caracóis castanhos escuros que se enrolavam como ondas num dia de tempestade tornavam-lhe o ser mais adorável à face da terra. Dei-lhe um pequeno sorriso, levantando-me logo de seguida e pegando numa pá, pronta para me sujar toda.
Passado algum tempo de me encontrar naquela importante tarefa, o resultado final foi um monte de areia a qual a Willow insistiu em chamar castelo. Eu acabei por considerar aquilo um castelo de areia, a única diferença era que exigia uma grande imaginação (bastante abstrata) por parte do observador.
Levantei-me, ficando aborrecida outravez. Solução? Digamos que tenho este vício. Adoro apanhar conchas. Sempre que vou à praia acabo por trazer para casa um grande montante destas.
Dirigi-me para o grande monte de conchas que se encontrava na areia. Este revela-se sempre que a maré fica baixa, formando uma fila que contorna toda a praia. O que eu mais adoro na minha busca de conchas, é o facto de nunca saber o que vou encontrar. Aquelas que se encontram mais danificadas, para mim são sempre as mais lindas. Mostram o quão forte as pessoas são, mesmo depois de terem sido magoadas diversas vezes. Então, ali me encontrava eu, com as minhas costas curvadas, remexendo por entre pedras e búzios, procurando algo que suscitasse a minha atenção. Levantei uma pedra preta, revelando uma concha com tons rosa, que ao longo daquele estrutura iam clareando cada vez mais até se tornar quase na cor branca. O que mais chamou a minha atenção foi o facto de estar partida a meio. Esta menina passou por uma grande tempestade, pensei para mim própria, enquanto sorria, elevando na minha mão aquele tesouro para o puder observar melhor. Estava determinada em encontrar a sua outra metade. Pu-la no meu bolso e comecei a minha busca para encontrar a parte que lhe faltava. Levantei um pouco a minha cabeça e sorri ao ver duas meninas, com mais ou menos 4 anos, a correr para o pequeno lago que a maré baixa tinha formado, queixando-se enquanto passavam por aquele tapete bastante doloroso de calcar. Após ambas passarem a parte mais dolorosa da sua jornada, olharam uma para a outra enquanto gargalhavam, dando às mãos para retomarem a sua corrida.
Voltei a baixar o olhar. Para não me doer tanto enquanto procurava as conchas, eu ou passava de lado à fila ou então, com as mãos, desviava todos aquele material rochoso para formar um pequeno caminho onde eu pudesse caminhar sem que me doesse.
Senti uma presença passar ao pé de mim, parecia estar na mesma posição que eu. Provavelmente estava se a dedicar à mesma atividade que eu naquele momento. Subi um pouco a cabeça, mas o meu cabelo castanho claro não me deixava ver para além de o corpo feminino magro que era coberto por uns calções de ganga e uma camisola de cabas bordô. Não conseguia ver a sua face, mas não sei porque, aquela figura despertou-me interesse. Olhei para cima, pudendo ter completo acesso à pessoa que se encontrava à minha frente.
Ela olhou para mim e como costumo fazer com qualquer pessoa, sorri. Isto não pareceu agradar-lhe, pois os traços da sua face mudaram, os seus lábios formavam uma linha completamente direita, e os seus olhos mostravam desprezo perante a minha presença.
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Toque de Um Anjo
RandomO mar pode ser considerado como um Deus. Um escultor. Ele cria. Uma concha que atravessou um oceano, enfrentou tempestades e acabou por se partir. Estas duas metades iriam acabar por juntar duas almas. Um alma partida que recusa a ajuda de toda a ge...