Capítulo Único

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Pontos brilhavam em frente aos meus olhos e eu tentei me deixar levar pela música. Eu nunca conseguia me deixar levar por nada.

Eu era uma presa, afinal.

Preso na própria alma, engaiolado por ninguém menos que eu mesmo.

Patético.

Observei o local e parei.
Os passos dessincronizados me irritavam, as risadas forçadas me agoniavam.

Preferia ser um robô sem expressão no meio de tanta gente sorridente, do que forçar mais alguma atitude naquela noite.

Eu não vou a casas noturnas.
Eu não danço.
Eu não bebo.
Eu sou o "eu não".
Eu sou a reticências. Eu não faço nada. Nunca.

Nem saber esperar, eu sei. Sou considerado o senhor sem utilidade. Tudo que acham que sei no cotidiano do meu trabalho monótono, eu sei que eu não sei.

Movimentos repetidos. É disso que sou feito. Clac, clac. Dígito. Imprimo, entrego ao chefe do setor, vou embora. Faço tudo novamente.

Esbarram em mim, viro e tento me livrar do exótico ambiente.

Não acredito que me convenci de que seria melhor para mim e para minha vida ingressar na vida noturna, obviamente sem propósito algum, a não ser tentar comprovar que vale a pena existir.

Estão todos procurando provar o seu valor para o mundo.

Para os outros.

Sei que, se valho algo, não é quase nada. E mesmo se valesse, não faz meu tipo me vender em uma boate.
Não faz meu tipo abusar do bom senso.

Sou mais o tipo "Não é meu perfil, você sabe". As conversas cansativas, fadigas de relações sociais que não compreendo e não quero fazer parte.

E me sacaram.
Ele me sacou. E eu não entendia muito bem sobre essa coisa de ser compreendido, de ser analisado.

Eu era a ocorrência. Eu ditava o sistema. Eu ditava as falhas. Por isso meu cérebro pareceu se desconectar do meu corpo no momento em que percebi que alguém tinha chegado perto do meu complexo de ser complicado.

Eu estava sentado em uma das cadeiras do bar, tinha tirado os sapatos fechados. Tênis de uma marca que não relembro qual seja, no momento. Tinha soltado o cabelo do elástico preto e agora ele tapava parte de meu rosto. Os cachos estavam embaralhados e eu não precisava tocar neles para saber.

Avistava Niall de longe. Ele sorria. Havia bebido. E eu odiava bebidas. Ele parecia feliz enquanto sua boca encostava com a de um garoto com camisa branca, e a ilusão de seus breves momentos felizes me entristeceram.

Meu desejo era ser feliz.

Sem álcool, sem música, sem filmes, sem livros, sem ninguém.

Um dia acordar com o sol batendo no meu rosto, e de olhos fechados, sem ver nada, atingir o grau máximo da felicidade.

E gritar.

Eu tinha esses pensamentos. Não gostava de chamá-los de sonhos.
Sonhos normalmente são inalcançáveis. E quando raramente os alcançam nem sempre as coisas saem como esperavam.

Sonhos são decepções, por si só.
Não existe decepção sem sonho. Não existe sonho sem decepção.

Eu sabia disso. Observava a cor das minhas unhas dos pés. Minha irmã tinha pintado de rosa claro há dois dias. Gemma disse que era para refletir o modo que eu deveria me sentir por dentro. Era estranho, porque eu não sentia.

O tom claro desaparecia nos focos de luz roxa do local. Assim como eu.
E ele sentou ao meu lado, percebi com o canto dos olhos.  Vi que me observava, e isso só fez minha unha se tornar mais interessante.

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⏰ Última atualização: Feb 22, 2016 ⏰

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