Parte 3

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III

Assim que o sol se pôs, coloquei a mochila nas costas e desci a rua em que morávamos. A casa dela era perto e nosso bairro era tranqüilo. Eram tempos diferentes. Caminhar na rua após o por do Sol não era tão arriscado.

Que estou falando?

Caminhar fora de casa após o por do Sol sempre foi arriscado. Sempre foi e sempre vai ser. Nós não fomos feitos pra isso.

Quando a casa de Clarice surgiu em minha visão, outra coisa também surgiu.

Ele.

Não vi de onde veio. Quando vi estava na minha frente. O mesmo rapaz que dançara com ela naquela noite. Fincava aqueles olhos de lobo em mim. E sorria para mim.

- Eu lembro de você. – disse ele, e isso me surpreendeu. Porque ele não parecia ter prestado a mínima atenção em mim.

- Eu também lembro. Você é o...

Me dei conta de que não sabia o nome dele. Mas ele revelou.

- Ruthven. Carlos Ruthven. O pessoal me chama de Ru.

- Bom... legal te encontrar. Agora com licença, porque eu vou...

- Vai pra casa.

Fora dito em tom de ordem.

- Como é que é? – perguntei incrédulo.

- Vai pra casa. Você não vai ver ela hoje. Ela vai sair comigo.

- A Clarice? Ela ta doente, não vai sair com ninguém. Com licença, porque eu vou...

Eu tentei passar por ele. A mão dele foi mais rápida que os olhos. Agarrou-me pelo ombro e uma dor se espalhou pelo meu tronco. Me pôs de joelhos. Tentei afastá-la, mas meus braços não respondiam.

- Eu vou gritar... – gemi

– Vou dizer que tu ta seqüestrando ela...

- Mas eu não estou. Ela quer vir comigo. Não quer?

E ela estava ali.

Mortalmente pálida. Parecia quase um fantasma. Também não a vira chegar. Olhava para ele com veneração.

- Sim, eu quero. – disse ela – Vai para a casa, Augusto. E não fala de nada disso pra ninguém.

- Acho que eu vou te fazer calar pra sempre, menino. – disse o outro, e sorriu.

Os olhos de Clarice se arregalaram. E se voltaram pra mim.

- Não... não machuca ele... por favor...

Ele me largou. A dor prosseguiu em meu corpo, mas senti alívio mesmo assim. Ao mesmo tempo, deu uma bofetada no rosto dela.

- Não me diz o que fazer, putinha...

Ela abaixou a cabeça e lágrimas tocaram o chão.

Me enchi de ódio. Eu juntei forças sei lá de onde e me levantei, avançando para ele.

Eu me lembro de Clarice gritando e da risada dele.

E depois foi escuridão.

CLARICEOnde histórias criam vida. Descubra agora