Capítulo 1

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Há minutos atrás tinha certeza de que essa seria uma boa história, mas agora não sei mais. Porque às vezes temos a mente fervilhante de boas idéias e basta uns minutos para desconstruir toda essa certeza. Mas eu, corajosa como sempre sou, darei continuidade. Peço que fiquem comigo e esta pode ser uma boa história para você também. Posso ter a pretensão de encontrar quem se identifique em dados momentos? Temos um trato? Ótimo! Comecemos então.

Sou uma mulher solteira, que aparenta ter uns trinta e poucos anos, embora tenha mais. Sou inteligente, independente e madura - sem falsa modéstia ou clichês. Vaidosa, mas não viciada em beleza. Pago minhas contas, dirijo bem, amo animais. Curto livros, viagens e teatros. Homens inteligentes me atraem porque não há nada mais sexy do que um cérebro pensante. Vergonha de admitir: nunca namorei de fato, apenas uma vez, mas aquilo só era considerado namoro por mim afinal eu o via a cada 3 semanas (talvez mais) por alguns minutos. Já tive cadastro, admito (perfil muito discreto), em um site de relacionamentos casuais - foi bom para dar vasão ao desejo, mas só isso. Eu estava usando alguém e sendo usada por algumas horas. Ninguém sabe, a sociedade é hipócrita e "o que acontece em Vegas, fica em Vegas."

Não tenho sonhos, mas objetivos. Alguns muitos alcancei, outros ainda serão. Frustração? Poucas. Morar só é uma delas. Isso é um sonho porque nunca vou alcançar. Filha única de mãe controladora. Infância sofrida, recheada de abusos psicológicos. Mas tenho orgulho de ter me tornado uma adulta saudável. Que fique claro que amo minha mãe incondicionalmente! Sempre. Mas ela é alguém difícil de lidar e conviver. E eu me sinto responsável pela manutenção da sua vida, afinal quem nos dias de hoje não sabe mexer em um celular ou usar o caixa eletrônico? Ela. Por isso omito muita coisa, mas só minto para não magoar ou para me preservar.

Sou uma ótima filha, aquela que se cala ouvindo insultos e por vezes sendo humilhada. Prefiro acreditar que ela não faz de propósito. Cresci ouvindo que sou o erro pelo qual ela tem que pagar por toda a vida. Que a culpa por eu ter nascido é minha, afinal ela não planejava ter filhos, muito menos uma menina. Quando acontecesse, ele se chamaria Pablo... De fato, eu não tinha nome quando nasci, foi um primo distante que escolheu.

Meu pai me abandonou muito pequena porque acho que também nunca me quis. Lembro dos fins de semana esperando ficar com minha mãe... Mas era minha avó e meu tio minha companhia. Aliás, a melhor! Minha mãe estava em uma casa alugada exclusivamente para passar os fins de semana com meu pai. Sei lá, criança deve atrapalhar o idílio amoroso. Mas insisto, eu a amo demais! E preciso demais dela.

Hoje (quase) não há resquícios deste passado. Fiz muita terapia para entender tudo isso e para me entender. Para aprender a conviver e ter jogo de cintura. Mas é uma luta a cada dia, um exercício de paciência. Hoje ela está do meu lado pro que der e vier, mas não sem antes apontar defeitos e magoar, e derrubar a trégua que eu mesma me dei. Hoje ela jogou fora a refeição que cozinhei com todo carinho do mundo para levar como "marmita" porque não queria aquilo na geladeira. Magoou... Mais uma vez dentre tantas. É assim: não pergunta, não conversa - faz porque quer e detém a verdade absoluta e incontestável.

Custei aceitar que o fato de ser mãe não te faz perfeita, mas um ser que continua falível. Servi muito como válvula de escape para todo o casamento conturbado que acabou cedo. Hoje sou arrimo de tudo. E sou propriedade. A culpa me consome por talvez ser injusta ainda que só em pensamento. Uma parte de mim está morta, foi assassinada.

Eu não tenho amigos, foram todos afastados. Eu fui levada a crer de que era minha a culpa. Ainda tento me aproximar das pessoas, mas tenho medo de que elas descubram que sou uma fraca ou talvez só ame demais. E quando alguém faz menção ao fato (nunca sem escarnecer), nego e isso me corta por dentro.

Não há homens na minha vida. Não sei chegar, não sei estabelecer contato. Não sou mulher, sou assexuada para eles. Das raras vezes que tentei, fui rechaçada, cruelmente até. Algo em mim me faz repulsiva e nada atraente. Me tornei exatamente aquilo que minha mãe quis porque sem amigos e sem relacionamentos sou propriedade dela. Manipulada para sentir culpa e remorso.

Sou uma idiota.

Mas prefiro me magoar, me abster para vê-la satisfeita. Choro em silêncio no quarto à noite, no trânsito, no banho (mas sem demorar no chuveiro porque senão ela quer saber o motivo de gastar tanto tempo embaixo d'água). Não saio sem permissão e nem sozinha, exceto para trabalhar. Mas espera! Já fiz algumas viagens só, momentos raros de liberdade. Só que agora o cerco está s fechando rápido demais. A corda já me sufocou, mas percebo apenas quando já não tenho forças para respirar.

Não há nenhuma demostração de afeto no nosso dia-a-dia. Morro de vontade de receber um beijo, um cafuné, colo. Da última vez que esbocei um abraço, ela me empurrou.

Quero ter certeza de que sou amada e até acho que sou, mas do jeito dela. Porque ela se preocupa comigo.

Para as mães, todos os filhos são lindos - menos para a minha! Não há problemas em dizer em alto e bom som, em reuniões de parentes ou conhecidos, que sou feia e o que me salva é a inteligência. Isso magoa. Porque digo para todos que ela é a mãe mais linda desse mundo, porque de fato acho.

Eu tenho muito, coisas e situações. Mas por mérito, então (disso) não me sinto culpada. Mas preciso de afeto. Preciso que alguém saia em minha defesa e não que me acuse mesmo estando eu certa. Estou cansada de sofrer calada. Estou cansada de ter medo. Quero atender o telefone sem que ninguém fique escutando atrás da porta. Quero sair sem hora pra voltar. Quero passar horas no computador sem que ninguém fique veladamente vigiando a tela. Quero ir à praia. Quero comer o que me der vontade. Quero namorar. Quero amor. Quero amigos.

Quero que ela seja sincera e se abra comigo, que diga qual é o problema.

Estou gritando por socorro por todos os poros. Ficou doente frequentemente, toda semana uma nova patologia. Somatizo todo meu desespero.

Sou uma princesa presa na mais alta torre de um castelo. Sou uma marionete. Sou um rouxinol aprisionado em uma gaiola de ouro.

Diários de uma simples garotaOnde histórias criam vida. Descubra agora