Capítulo 1 - Completo

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Narrado por Havena

      Acordei com o barulho dos pingos da chuva batendo em minha janela. Eu estava atrasada para a faculdade – ultimamente alguns pesadelos têm me impedido de dormir bem –, me arrumei depressa e desci. Miguel, meu pai, estava à mesa, como sempre, olhava para o lado, para a cadeira vazia que nunca mais foi ocupada desde que Heloisa, minha mãe, faleceu há nove anos.

      — Oi pai, até mais tarde.

      — Oi Havena — disse ele ao se levantar. — Não vai comer nada?

      Ele sempre teve um instinto protetor, talvez por isso eu tenha me tornado tão mimada – aos olhos dos outros, claro. Dei a volta na mesa e o beijei no rosto.

      — Não, estou atrasada! — disse, enquanto saía.

     A manhã foi comum, choveu boa parte do tempo. Quase no fim da aula minha cabeça começou a doer, o que vinha acontecendo com frequência nos últimos dias, assim como os sonhos ruins.

      Ao chegar em casa, não vi meu pai, deixei minhas coisas no quarto, mordisquei um lanche na cozinha, enquanto pensava na programação para a tarde – já que eu nunca fui muito de sair de casa e sempre preferi ficar sozinha. Ouvi a porta da sala abrir, meu pai entrou falando ao telefone.

      — ... Acalme-se. Não vão fazer nada comigo. Estou seguro. Mantenha-me informado, mas não deixem que saibam que mantemos contato — travou ao me ver.

      — Oh, você está aí? — perguntou-me, desligando o telefone. Parecia tenso.

      — Quem era pai? — ele deu de ombros.

      — O que houve com você? Está abatida — mudou de assunto.

      — São os pesadelos, não me deixam dormir direito.

      Conversamos por alguns minutos, e ele parecia nervoso. Seria por causa da ligação? Fiquei por ali mesmo, assistindo meu filme favorito – pela milésima vez. A dor de cabeça voltou, tomei um comprimido e fui descansar um pouco. Deitei e adormeci, entregando minha mente a mais um pesadelo.

      No sonho eu me via em um lugar diferente, vestia roupas estranhas, eram quartos e salas brancas. Às vezes parecia um hospital, e eu estava totalmente sedada, com várias agulhas nas veias, outras vezes eu era bombardeada por objetos voadores. Era tão real que eu acordava suada e com o coração acelerado.

       Quando levantei – mais cansada do que antes de deitar – já era tarde. Da cozinha vinha o som de óleo quente, algo estava fritando, bife acebolado – deduzi pelo cheiro. Olhei para os lados me sentindo estranha, era como se eu fizesse parte do espaço, como se eu estivesse conectada a ele. Senti um frio na barriga quando notei, com certo espanto, que estava flutuando sobre a cama. Com o susto, caí desajeitada no colchão. Havia uma película transparente em volta de mim, que se moldava conforme eu me movimentava. Balancei a cabeça, tentando espantar a alucinação. O nervosismo me tomou depressa.

       Saí da cama ainda confusa, com medo do que havia acabado de acontecer. Já não bastavam os pesadelos? No fim da escada, fiquei parada por um momento e me acalmei, queria ter certeza do que estava acontecendo. Meus sentidos haviam voltado ao normal, como os de qualquer pessoa. Será que tenho algum problema mental? Tentei me acalmar.

      — Pai, não suporto mais esses pesadelos... — choraminguei, ao vê-lo preparando a janta. — Eles estão mais intensos agora. É como se eu estivesse na cabeça de outra pessoa, vendo o mundo através dos olhos dela.

      A reação dele mudou. Descrevi detalhadamente os pesadelos e o surto psicótico pós-cochilo. Meu pai me olhou com os olhos arregalados, surpreso.

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