quero te falar de quantas vezes precisei destruir as certezas em que eu dormia, inocente e arredia. quero te falar do quanto amei, e do poder que que dei a cada ser amado por mim, de puxar o gatilho e simplesmente me explodir. eu não sei, nunca soube, se teria impedido alguém. realmente. não sei. quero te contar que mudei meu nome algumas vezes e me descobri igual. te dizer do quanto quis ser simples, só isso, simples. do quanto quis ser superficial. hoje já é tão difícil acreditar que existe ser assim... então me diz você, existe? se eu gostasse só do que vende, só do que pedem pra gostar, se eu seguisse o caminho pré-trilhado, se eu fizesse exatamente o caminho que meus pais, ao me amarem - tanto e tanto, como só os pais fazem - me pediram pra fazer, onde eu estaria? já houve possibilidade de normalidade pra mim? isso já foi realmente uma opção? eu nunca vou saber, vou? toda a disciplina que rejeitei sistematicamente... toda a energia e alma que gastei em causas erradas... todos os sinais que resolvi ignorar. fiz exatamente, meu amigo, cada escolha errada possível. e hoje o erro é tão parte de quem sou quanto essas mãos riscadas, quanto o sinal no meu seio esquerdo. é no esquerdo mesmo? tão pouca atenção que prestei a mim. tão pouco respeito que dei às minhas próprias vontades. só ouvi a urgência, só acatei a sede e pressa. esqueci das minhas tardes silenciosas assistindo os movimentos das nuvens. esqueci do quanto amava regar minhas plantas, e murmurar palavras de carinho. do amor que depositava em cada carta que escrevia, do quanto me doía um solo de violão. vó, a senhora tinha razão, tanta razão... e eu sinto sua falta. gostaria de somente sentar na sua mesinha de madeira e tomar café com você, é, agora eu tomo café. quer que eu te busque algumas acerolas? minha garganta dói há quatro dias, e ninguém me ofereceu chá de alho com mel. eu espero que haja um lindo lugar pra você, eu juro que no alto do meu ceticismo eu espero isso, com todo amor que eu posso ter. sinto falta do seu cheiro bom, sinto falta de te abraçar, sinto falta dos teus pés e de tentar te fazer cócegas. eu te amo, te amo, te amo. o mundo é menos bonito pra você (nunca te direi que é feio, nunca, ainda tem riso seu flutuando por aí). não era pra você que eu escrevia, agora é. eu te amo. lembra disso pela eternidade, por favor.
