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Casei-me cedo, dezoito anos. Eu era uma menina que se tornou mulher nos braços de Alfonso, dez anos mais velho. E pelo menos vinte mais experiente e eu descobri isso a duras penas. Mesmo com pouco mais de cinco anos de casamento eu já acreditava conhecer o homem com quem jurei dividir a minha vida, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença por todos os dias de nossas vidas. E agora eu me perguntava se tinha feito promessas ao vento, pois essa, especificamente essa tristeza, eu já não era capaz de suportar.

Foi um acaso, acontece o tempo todo. Mas eu preferia que não tivesse acontecido. Eu nunca havia desconfiado da fidelidade do meu homem. Nunca. E hoje me pergunto o quão ingênua eu fui, ou talvez eu esteja apenas carregando sobre meus ombros o peso de uma culpa que nunca foi minha. Eu não fui ingênua, mas ele foi um ator.

Eu tinha ido fazer compras com a minha irmã, mas por bem, ou por mal decidi almoçar com Alfonso. Por isso de surpresa apareci na corretora em que ele trabalhava. Foi uma decepção descobrir que ele já havia saído para almoçar. E eu ao invés de virar as costas e ir embora continuar a viver a minha vidinha politicamente correta eu resolvi deixar um e-mail para meu marido. Pareceu-me romântico, mas o romance se transformou em drama quando abri o notebook dele que estava em cima da mesa. A página de e-mail estava aberta. Não era minha intenção espioná-lo, mas a primeira frase que eu li. Por acaso. Me fez continuar:

Querido Poncho

Antes de tudo quero tranquiliza-lo. O Manuel já se recuperou completamente da caxumba, está pronto para outra e criando diversas brincadeiras "perigosas" para o irmão. Por mais que me dê trabalho prefiro vê-lo criando confusões a estar amuado como estava, de cama.

Estamos todos sentindo a sua falta, nossas férias não são completas sabendo que você está ai, sozinho e trabalhando tanto. Estou quase arrependida de aceitar essa sua proposta maluca de viajar sozinha com as crianças, apesar de estar adorando a Disney. Tiramos fotos com a Minnie e o Mickey, foi incrível!

O Igor fez uma cartinha para você. Ele escreveu o nome dele certinho!

E quanto a mim, sinto falta dos seus beijos, do seu sorriso, do seu abraço caloroso e de dormir juntos. Em breve nos encontraremos e vamos matar toda essa saudade não é?

Com amor, Elizabeth, Manuel e Igor.

Nos anexos encontrei duas fotos. Um desenho infantil tinham quatro pessoas desenhadas de palitinhos um homem, uma mulher e dois meninos e no final com tamanho irregular estava o nome Igor. E a outra foto mostrava uma mulher magra e angelical aparentando uns trinta anos, porém com um sorriso infantil e usando orelhinhas da Minnie. As duas crianças estavam no colo do Mickey e da Minnie. Dois garotinhos morenos um deles inclusive, o maior. Tinha um par de olhos esverdeados que eu bem conhecia.

E foi dessa maneira aterradora que descobri que tudo o que eu acreditei durante os últimos cinco anos foram mentiras. Estrategicamente maquinadas por um homem frio e cruel capaz de enganar não apenas uma, mas duas mulheres ao mesmo tempo.

A verdade veio à tona, quando abordei Alfonso. Diante da prova que eu tinha nas mãos ele não pode negar e vomitou em cima de mim uma verdade amarga que ainda me corrói dia após dia. Alfonso era casado com duas mulheres ao mesmo tempo. Elizabeth e eu. Nessa ordem. Eu descobri que além de não ser a única, ainda era a segunda. Elizabeth chegou três anos antes e agora além de tudo tinha um reforço um de seis e outro de quatro anos. Uma bela família.

O confronto foi difícil e muito doloroso, para ambas as partes, devo ser justa. Do jeito dele sei que de certa forma ele me amou, mesmo não me respeitando. Ou estou apenas me enganando, agarrando-me a essa possibilidade como um bote salva-vidas. Para não me afogar em minhas próprias magoas. Para não afundar ainda mais.

Ele pediu perdão, chorou, ajoelhou-se e mentiu dezenas de vezes naquela noite. A noite do fim. Disse que me amava que o casamento com Elizabeth não ia bem, mas que não podia deixa-la por causa das crianças. Tão clássico tão clichê. Precisei me rebaixar ao nível dele para conseguir colocar um ponto final no casamento de farsas que eu vivi. Machuquei-o com palavras e engoli todo o amor que sinto por ele, não foi fácil. Ainda sinto as brasas queimando-me por dentro. Todo o amor sufocado em mim. Destruindo-me de dentro para fora.

E no final de tudo, quando viu que havia me perdido definitivamente ele apenas pediu segredo. Afinal de contas ele ainda tinha uma mulher. E precisava preservar um dos casamentos. Pelos meninos. Só por eles.

AcasosWhere stories live. Discover now