IV

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Depois que coloquei um ponto final em meu casamento eu perdi o controle e chorei diversas vezes. Sozinha antes de falar com Alfonso, depois de ter falado com ele, antes de dormir, até nos braços da minha mãe. Mas nenhuma das vezes chorei na frente dele. Segurei-me ao último rompante de dignidade e amor próprio e não chorei na frente dele. Nenhuma vez.

Porém, aquele momento eu me sentia deveras débil, incapaz de cuidar de mim mesma. Sentindo que seria impossível resistir, impossível negar meus sentimentos. As lágrimas que antes eu reprimi me inundaram, transbordaram e foi inútil tentar reprimi-las. Junto com as lágrimas vieram os soluços e todo o desespero que eu havia guardado só para mim. A força que eu tentava transparecer escapava entre meus dedos, escorria da minha face como uma máscara mal feita. Eu não era forte o suficiente. A guerra estava perdida, mas eu ainda podia vencer uma batalha.

A expressão de Alfonso mudou drasticamente ao ver meu pranto, as mãos que me continham, agora acarinhavam-me. Ele sentou em uma das cadeiras vazias da cozinha, puxando-me para seu colo, aninhada em seu peito. Dizendo-me palavras de consolo, secando minhas lágrimas.

E aquilo era tão bom, Deus sabe o quanto eu renunciaria para me permitir aquele momento de carinho, para demonstrar mais uma vez o quanto eu amava Alfonso e o quanto sentia falta de ser amparada por ele. Eu renunciaria tudo, menos o orgulho, aquele ferido por Poncho.

Levantei a expressão, brevemente e mesmo com o rosto banhado em lágrimas tive forças o suficiente de cuspir na face dele. Obrigando-o a me soltar.

Alfonso empurrou-me com agressividade de seu colo, limpando o próprio rosto com o dorso da mão direita. Aproveitei-me sua distração para me afastar o máximo que pude dentro da cozinha pequena.

– Vá para o inferno, Anahí!

– Já estou nele meu bem, você fez questão de me mandar dois meses atrás. – Respondi seca.

– Cansei de suas ameaças. – Poncho fora incisivo. Emanava confiança. – Se vai fazer algo, faça de uma vez! Vá, Anahí conte tudo para Elizabeth, conte tudo para meus filhos! Faça o que quiser.

– Porque ter a certeza quando você pode conviver com a dúvida? Dia após dia. Quem sabe um dia você chegue a casa e ela já saiba de tudo. Ou talvez, ela não esteja mais em casa, talvez você nunca mais volte a vê-la. Ou ainda, quem sabe ela tenha feito o jantar. Todos os dias serão uma surpresa... Não vou te dar certezas, quando você merece viver torturado por dúvidas.

Levantei a expressão novamente, dessa vez nem sinal das lágrimas que eu em um momento de fragilidade derramara. Eu era só rancor, só vingança e ódio. A versão que Alfonso agora merecia de mim.

– Já disse. Faça o que quiser. – Toda a superioridade de Alfonso havia oscilado, eu o havia tocado fundo. – Só não me deixe viver sem você, é o único que eu não poderia suportar.

E ele voltou a se aproximar, mas dessa vez eu estava preparada. Agarrei com força a xicara vazia que estava depositada em cima da pia e arremessei em direção a Alfonso. Não para criar uma cena, não para extravasar a minha raiva. Apenas para me proteger, proteger de algo que eu não era capaz de lutar.

A xicara estilhaçou na mão espalmada de Alfonso, que estava protegendo o rosto dele. Cacos voaram para todos os lados, quicando no chão e a mão de Poncho começou a sangrar com o corte recém-adquirido. Na expressão dele pude distinguir raiva, decepção. Seus olhos estavam alucinados. Por isso que quando ele voltou-se em minha direção eu corri, com Alfonso em meu encalço. Na sala passamos a rodar em volta do sofá, um jogo perigoso para ambas as partes. Ele tinha medo de avançar e eu conseguir correr, eu tinha medo que ele enfim me alcançasse. O sangue escorrendo da mão de Poncho fazia da cena algo ainda mais dramático. Como se fosse possível.

Como era de se esperar acabei desistindo antes dele e corri em direção ao quarto, trancando a porta atrás de mim. Debrucei-me na cama armada com o abajur de mesa. Alfonso esmurrava a porta, gritando ameaças. Logo, apaziguava chamava-me de amor, dizia o quanto precisava de mim e então sem obter respostas de minha parte voltava, impetuoso a nova onda de gritos.

O único que me assustou, porém, foi quando ele silenciou. Foi um breve momento, não cheguei nem mesmo a pensar que ele estivesse ido embora. Não tive tempo.

Com um estalido costumeiro da fechadura sendo aberta. Meu coração disparou. Alfonso morou tempo suficiente nesta casa para saber a localização das chaves extra.

– Tudo bem, Annie. Ficaremos bem. – Proferiu com argucia.

– Não chegue perto. Estou avisando! – Levantei o abajur com ambas as mãos como se fosse algo letal.

Meio segundo mais tarde Poncho sentou na cama a meu lado. E como tinha prometido joguei o abajur, porém esse não surtiu o efeito desejado. Pois, como estava plugado na parede o baque foi amortecido e Alfonso segurou-o com eficácia.

Muito sereno ele soltou o objeto da minha agressão e puxou-me para um abraço, muito apertado, muito acolhedor.

– Eu odeio você! – Murmurei sem oferecer resistência ao abraço, mas tão pouco o retribuindo.

– Não diga besteiras, querida. Pare de resistir. O que nós temos é especial demais para acabar assim.

– Nós nunca tivemos nada, nada verdadeiro pelo menos. – A minha mágoa era quase visível, eu não podia disfarçar.

Alfonso agarrou uma de minhas mãos levando-a ao peito dele, espalmada.

– Sente? Acha que isso são inverdades? – Senti os batimentos cardíacos desenfreados dele sobre a minha palma. Ele respirou pesadamente. – Annie o que nós temos não pode ser desperdiçado, tem pessoas que passam a vida inteira procurando um amor com a metade da força do nosso. – Os lábios de Poncho tocaram o meu rosto, beijando-me delicadamente.

– Solte-me, infeliz! – Por mais que tentasse parecer decidida minha voz oscilou dramaticamente.

Os beijos dele foram cessados dando lugar a mordidas leves em meu queixo. Causando-me espasmos musculares incontroláveis. Eu me sentia dependente de Alfonso, do corpo dele como se fosse uma extensão do meu. A vontade de tê-lo, de senti-lo estava anuviando-me e a dor da perda assolou-me novamente. Ferindo como nada antes me fazendo desejar ardentemente que tudo não passasse de um pesadelo.

– Eu te amo, Annie. Preciso de você. – Os dedos entraram pelo decote da minha blusa.

– Tire suas mãos de mim! – murmurei angustiada, sentindo o resto de força que ainda me sobrava esvaindo-se.

– Eu quero você.

– Pois terá que me forçar! Nunca mais voltarei a ser sua. – Consegui afastar-me brevemente.

– Não será necessário, querida. – Alfonso tomou minhas mãos levando-as unidas para os próprios lábios, beijando-as.

– Eu te odeio!

Comecei a distribuir socos pelo peito de Alfonso, completamente alucinada, a única coisa que eu queria era feri-lo tanto o quanto ele me feria. Não sei o momento certo em que os socos transformaram-se em caricias. Tamanha era a saudade que eu sentia.

Os olhos verdes pérfidos de Alfonso encontraram-se com os meus. E eu soube naquele momento que além da guerra eu havia perdido também a batalha.

– Por favor, não...

Minha lamúria foi calada pelo beijo cálido do homem que eu odiava na medida exata do meu amor.

Fim...?



x.x.x

É isso aí...

Bom meninas o ponto de interrogação no final não teve o mesmo peso de dúvida de quando eu postei a primeira vez. Todas sabem que acasos tem uma continuação, e é uma continuação estendida. Então se vocês quiseram começo a postá-la na semana que vem. Obrigada por acompanharem meu romancezinho um tanto quanto doentio. Prometo muito mais Poncho em Acasos II, só não prometo coisas boas, xiiiiu

Obrigada!

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⏰ Last updated: Mar 04, 2016 ⏰

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