Capítulo 1

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Londres, Inglaterra. - Junho de 2008.

Mais uma vez aquele sonho, mais uma vez aquela cena invadia a minha mente, enchendo-a de lembranças. Lembranças de três anos atrás, lembranças de promessas feitas por dois jovens apaixonados, dois jovens que haviam se casado, haviam enfrentado a todos que diziam que era cedo demais. Dois jovens talvez inconsequentes.
Suspirei ao relembrar aqueles momentos enquanto direcionava a minha mão direita ao lado esquerdo da cama de casal, apenas para constatar novamente que o mesmo se encontrava vazio. Há algum tempo aquilo havia se tornado constante, Bernardo começara a se levantar mais cedo todos os dias, inclusive em finais de semana. Era raro senti-lo ao meu lado ao acordar, era raro sentir seu olhar me observando enquanto eu despertava, assim como ele costumava fazer no início do nosso casamento, ou quando éramos apenas um casal de namorados, jovens adolescentes apaixonados. Paixão, aos poucos eu sentia que ela ia se desfazendo. Aquele sentimento inicial desaparecia aos poucos, dia a dia.
Cansada sentimentalmente, me levantei devagar, indo em direção ao banheiro da suíte. Ouvi o barulho do chuveiro e a voz incansavelmente linda do meu marido cantando uma melodia durante o banho. Há três anos eu não pensaria duas vezes em adentrar aquele cômodo e juntar-me a ele naquele banho. Mas agora as coisas já não eram mais tão simples assim. Dei meia-volta e segui em direção ao banheiro do quarto de hóspedes, fiz a minha higiene matinal e desci até a cozinha. Talvez um café da manhã especial mudasse os ânimos da noite anterior. As brigas agora eram constantes, e o fato dele chegar tão tarde a cada dia fazia aumentar a vontade que eu sentia de discutir, de questionar o porquê daquilo tudo.
Suspirei novamente, tentando me livrar daquela sensação, e iniciei os preparativos para o café da manhã.
Algum tempo depois tudo já estava pronto, havia feito suco de uva, torradas com geleia e cream cheese e salada de frutas, tudo o que ele gostava. Ansiosa, ouvi seus passos apressados descerem as escadas. Ajeitei-me sobre a banqueta no balcão da cozinha e esperei pela sua presença.
Meu coração acelerou assim que o vi, apesar de tudo, eu o amava muito. Bernardo, além de lindo fisicamente, era uma pessoa incrível. Um grande músico, um grande homem.
Seus olhos me fitaram parada, mas ele logo os desviou, indo em direção à cafeteira. Colocou o líquido escuro em sua caneca térmica e disse:
- Estou atrasado pro ensaio, Melissa, tenha um bom dia. Nos vemos mais tarde. - Ele anunciou, sem nem ao menos me brindar com um beijo de despedida, e foi saindo em direção à porta.
- Beni, espere! Eu preparei o seu café da manhã, você não vai nem ao menos... - Mas eu não consegui finalizar a frase, pois logo em seguida ouvi a porta bater, demonstrado que ele já havia saído e não mais me escutava.
Cansada de tudo aquilo, peguei a refeição e a dispensei no lixo, não tinha o menor apetite. Subi em direção ao quarto, decidida a tomar um banho quente e demorado, depois ligaria para Meg, minha melhor amiga de infância, e a convidaria para um passeio no shopping. Aquela vida me entediava, eu precisava arranjar um emprego urgentemente, mas Beni me proibira de trabalhar, alegando querer que eu gastasse o meu tempo cuidando da casa e do nosso casamento. Mas aquilo não fazia o menor sentido e eu não sabia como havia aceitado me submeter a tal. E pensar que até da minha faculdade de Letras eu havia desistido após o casamento, meu grande sonho era lecionar e fazer a diferença na vida de pelo menos um aluno, como meus antigos professores haviam feito. Eu havia desistido de tudo por Bernardo, para que ele seguisse o seu sonho.
Mas eu não podia deixar aquele sentimento de tristeza e frustração me acercar, eu tentaria novamente, conversaria com Bernardo sobre retomar a faculdade em breve. Troquei-me após o banho e telefonei para Meg. Ela teria aula apenas durante a tarde naquele dia, já que estava finalizando o curso de medicina e não ia mais a faculdade todos os dias, se focava apenas a residência. Suspirei pela terceira vez no dia, pensando que se tivesse continuado os estudos, também já estaria me formando.
Marcamos de nos encontrar no shopping, faríamos compras e depois almoçaríamos por lá, e em seguida ela iria para a aula. Bernardo não almoçaria em casa, disso eu tinha certeza, nos últimos tempos eram raras também as refeições que fazíamos juntos. Ele estava sempre ocupado.
"A banda esta ficando mais famosa, nossos compromissos aumentaram, a gravadora exige mais a cada dia, espero que você possa compreender isso", ele me dissera no dia em que questionei a sua ausência. Nosso casamento estava por um fio, isso era fato, mas eu ainda queria me prender à minha doce esperança, ou, talvez, doce ilusão, de que tudo voltaria a ser como era no início.
A banda se chamava McFly, e Beni Martinez, meu marido, era um dos integrantes junto com mais três amigos de infância. Aquilo sempre fora o sonho deles desde a época de escola. Escrever músicas, fazer sucesso e viver disso, fazendo o que gostavam. O talento deles era inegável, eles mereciam tudo o que haviam conquistado. Eu sentia orgulho deles, mas no fundo também queria sentir orgulho de mim mesma.

Beni's POV

- Quando você vai conversar com ela, Beni? Quando vai dar fim nessa situação? Não quero mais ser a outra. - Ashley dizia sem parar enquanto acariciava o meu peito nu.
- Em breve, Ash. Não posso chegar do nada e pedir o divórcio. Melissa e eu estamos juntos há muito tempo.
- Mas você não pode ficar com nós duas ao mesmo tempo, eu já disse. Você tem que escolher, meu amor. Pensei que estivesse apaixonado por mim. - Ashley disse, fazendo manha.
- Estou, Ash, eu estou. Prometo que falo com ela o mais rápido possível. - Eu disse e ela me olhou sorrindo, de repente sentou-se sobre o meu querido amigo das partes baixas e me beijou furiosamente. Aquela mulher me deixava sem ar.
E isso era algo que eu não sentia no meu casamento com Melissa há algum tempo. As coisas haviam esfriado entre nós. E talvez um pouco por culpa minha, eu não conseguia tirar Ashley e as coisas inimagináveis que ela fazia comigo na cama da cabeça, inclusive quando dormia ao lado da minha esposa.
Ashley Johnson, esse era o nome dela, a linda filha do dono da gravadora. Nós nos conhecemos em uma premiação a qual a minha banda foi convidada a apresentar um prêmio, estávamos começando a ficar famosos e o nosso empresário conseguiu esse grande feito. Era bom pra banda ter um pouco de mídia. Melissa não pode ir à premiação e nem na after party comigo, acabamos discutindo por isso. Eu estava chateado, era algo importante acontecendo na minha vida, e para ela, consolar a amiga que havia sido dispensada por um cara qualquer era mais importante ainda.
E então lá estava eu, sozinho, na festa, aparentemente "solteiro". Fomos apresentados a Ashley e ela imediatamente me lançou um olhar de tirar fôlego de qualquer homem. Ela era e é uma mulher de tirar folego, não que a minha esposa também não fosse, mas Melissa havia perdido o seu brilho com o tempo. Talvez casar tão jovem não houvesse sido mesmo uma boa ideia.
Naquela noite Ashley e eu flertamos, mas não passou disso. Eu procurei ao máximo ser fiel, no fundo, eu amava Melissa e devia respeito a ela. Mas nossas brigas se intensificaram e a carne é fraca. Então, um dia Ashley apareceu no estúdio durante o ensaio da banda, acompanhada do pai, Peter Johnson, dono da gravadora. Ficamos um pouco nervosos por ter que tocar diante dele, mas Ashley era só elogios à banda e o pai aprovava tudo o que ela dizia. Decidimos sair para um "Happy hour" após o ensaio, ela nos acompanhou, e em meio há algumas canecas de chopp e algumas doses de tequila, nós nos beijamos. E do beijo para a cama dela, em seu apartamento no centro de Londres, foi um pulo.
Na manhã seguinte eu me senti estranho, afinal, eu havia traído Melissa, e isso era algo que eu nunca imaginei fazer. Mas nós sempre nos enganamos nessa vida. E mesmo com a ponta de remorso por tê-la traído, outra sensação havia tomado conta do meu corpo após aquela noite, algo que eu não sentia nos últimos dois anos. Desejo.
Após aquele dia eu sabia que não teria mais volta, Ashley era filha do dono da gravadora e por mais que digam o contrário, eu sabia que se a magoasse, o futuro da banda estaria em jogo. Puro egoísmo da minha parte, ou talvez a saída que eu inconscientemente procurava para dar fim ao meu casamento com Melissa, casamento este que não teria mais futuro algum. Eu a via infeliz, eu estava infeliz. E o amor que um dia sentimos morria a cada dia.
- Eu vou falar com ela esta noite. – disse a Ashley após mais uma sessão de sexo em seu quarto. Ela sorriu, radiante. E eu esperava estar fazendo a coisa certa.


"And I don't even need your love.
But you treat me like a stranger and that feels so rough.
No, you didn't have to stoop so low.
Have your friends collect your records and then change your number.
I guess that I don't need that though.
Now you're just somebody that I used to know.
Somebody, I used to know."Gotye


Melissa's POV

Estava ali, sentada numa espreguiçadeira na sacada do quarto, com uma caneca de chá em mãos, na mesma posição por horas incontáveis, uma sensação estranha de perda tomando conta do meu corpo, o nó costumeiro na garganta. Já era tarde, umas duas horas da manhã talvez, e Bernardo ainda não havia chegado. Não havia sequer ligado para avisar que chegaria tarde, mas isso não era surpresa, há algum tempo ele tinha perdido a consideração em me avisar algo do tipo. Esse Bernardo com quem eu convivia poucas horas durante o dia era um total desconhecido. Esse não era o meu Beni, não era o meu amor, não era o cara que havia me dito aquelas lindas palavras no dia em que me pediu em casamento. "Prometo te amar além da vida." Essa frase insistia em ecoar nos meus pensamentos dia após dia, como um tapa certeiro na minha face, me acordando pra realidade de que talvez aquele amor prometido nunca fosse cumprido. Eram apenas palavras ao vento.
Remexi-me desconfortável na cadeira, aquela posição de horas começava a me incomodar, ainda sentia um enjoo inconveniente que havia me maltratado durante os dois últimos dias. Eu deveria procurar um médico. Mas preferia esperar mais um pouco, talvez fosse algo bobo, alguma porcaria que comi na rua.
E então aquela sensação terrível retornou, senti o meu estômago criar vida, o gosto ruim subindo a boca e corri em disparada ao banheiro, me debruçando sobre a privada logo em seguida, não podendo mais segurar. Odiava aquilo, odiava vomitar. É, eu deveria procurar um médico.
Quando notei que estava melhor, me levantei devagar, sentindo uma leve tontura. Nada parava em meu estômago. Segui em direção à pia e joguei um pouco de água fria no rosto, sentindo um alívio bom. Procurei pela minha escova de dente e o creme dental, e logo tratei de tirar aquele gosto horrível da boca. Molhei novamente o meu rosto e respirei fundo. Ainda cambaleante, caminhei até a cama e me deitei sobre ela, o meu lado esquerdo ainda continuava vazio. Beni ainda não estava ali. Sentia-me só, péssima, derrotada. Encolhi-me no meu lado da cama, puxando o edredom até o pescoço. Fazia frio em Londres, mas era um frio suportável. Mas a sensação de frio triplicava pelo meu corpo. Encarei o relógio sobre o criado mudo: 2:45 am. Cansada de esperar por Beni, fechei os olhos e adormeci.

Te faço um café e um cafunéOnde histórias criam vida. Descubra agora