Tu sabes, tu conheces me. Sabes que não consigo escrever nada quando só tenho pensamentos confusos na cabeça. Quando apenas tenho uma caixa de grafites ou uma caneta azul. Sabes que eu preciso sempre de reservas, porque a mnha parábola nunca começa do zero. Sabes que não consigo estudar sem que eu tenha tudo organizado. Sabes que não consigo ler caso só tenha um livro. Eu tenho manias, tenho segredos, tenho besteiras, mas tenho medo. Tenho medo, tenho caos e mais caos. Talvez o mundo não me tenha criado. Não tenha matado suficiente. A agonia se despedaça em cada sopro da minha respiração, e tu sabes. Tu conheces e amas a minha vontade de viver, mas sé hoje estou aqui , é porque carrego em mim a vida que ninguém quis. O meu peito é um Frankenstein, mal feito e medroso , que quer morrer da forma que ninguém nunca morreu, e acaba morrendo afogado , suicidado, morre na mesa de cirurgia, morre electrocutado, clichê demais. O que eu tenho para te dar são memórias amargas. Um crescimento sem graça, quase imperceptível. Talvez eu chegue a decepcionar, tal como aconteceu várias vezes ... É, talvez o mundo não tenha me criado . Mas o que importa eu criei o mundo. O mundo em arte, misericórdia e auto piedade. O mundo murado onde não existem baleias. Um mundo não escrito, tão batido que não venderia a metade dos exemplares.
Suportas o peso do meu fracasso, enquanto eu custuro de novo a minha solidão. Eu te ofereço não mais que a mim. A menina. A tua menina. Eu sou a pessoa em destruição. A flor de Hiroshima... Se tu conheceres meus escombros, devolve.
Devolve as fotos, me entregue à morte mais próxima. Esqueça do amor, como eu esqueço, que te amo que me amo que amei. É porque o abandono é um medo que eu não consigo superar. Pessoas são excedentes que eu nunca quis manter. São tudo e são nada.
Eu sei que viver é um mal . Porque o mundo não me criou. Mas eu insisto, eu sangro. Eu Mantenho o monstro vivo.
Eu alimento a minha dor por pena. Ou melhor, com pena. Parece algo tão frágil e inofensivo, tão prazeroso no início... É a sensação de ter estojo cheio é muito boa. Mas o que vem depois é o desinteresse. O peito de Frankenstein bate novamente. Ele bate, tu sabes
Ele bate tanto que parece um espancamento. Então devolva tudo.
Denuncie, devolva, condene porque tu tens a única mão que me aponta. És a testemunha do meu crime, do medo eterno.
Medo da fuga e da solidão.
Eu vejo por entre as brechas do mundo , aquele mundo que não me criou, histórias que já foram minhas. Aliás, o mundo me criou sim, o mundo só não me criou foi para isso. O mundo não me criou para ficar sentada esperando caixas de grafite caírem do céu. O mundo não me criou para fazer poesia, e mesmo gostar de poesia, para ser esquecida assim, desse jeito torto, desse jeito forçado. O mundo não me criou pra virar palavra. Porque palavra é eterna e eu .. Não nasci , não cresci, não mereço ser eterna. E não quero ser eterna. Vai chegar a um ponto em que o Frankenstein precisará de descanso, sossego. Virar para o esquecimento. E o mundo não me criou para destruir os próximos mundos com esses pensamentos, essa angústia, agonia , sem sentido. Tu sabes, tu conheces me. Desculpa mãe. Estou só.- Ana Lemos ( Black Angel )