Azul

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  • Dedicado a Felipe Alvares
                                    

Era madrugada alta e o maldito ônibus não passava. Nora checou seu relógio de pulso; os números oscilaram, mas ela acreditava que já passava das três da manhã. Ou mais. Talvez menos. Ela cruzou os braços e começou a bater os pés no chão da calçada, impaciente. Não deveria ter ficado até tão tarde e aquela tequila no final da festa tinha passado da conta.

E depois ainda teve Pedro beijando-a, ah, ela não queria que aquilo acontecesse quando sua cabeça estava chapada de tequila e caipirinha. Não era o momento certo. Mas pelo menos a despertou para o erro que estava cometendo e a fez deixar o lugar. O certo era ir para casa, respirar ar puro e se jogar na cama. No dia seguinte tomaria um comprimido e cuidaria daquela ressaca. Sim, era o que precisava fazer.

Finalmente, depois do que pareceram horas, um ônibus apareceu. Nora suspirou, irritada, e fez sinal. Ela subiu, pagou o motorista – que estava tremendamente chapado de alguma coisa para ficar acordado, ao que parecia – e cruzou a catraca.

Não havia viva alma no ônibus inteiro exceto por um homem no último banco. Nora sentiu seu corpo todo retesar e, rapidamente, sentou-se num dos primeiros bancos, perto do motorista. As mãos ficaram imediatamente geladas. Ela respirou fundo. Vai ver era a bebida na sua cabeça. Só podia estar imaginando coisas. Toda aquela tequila...

Nora fechou os olhos, tentando esquecer tudo aquilo. Só queria chegar em casa, deitar, dormir... Mas logo ouviu o som de passos no assoalho barulhento do ônibus e a aproximação de alguém às suas costas. Ela ousou dar uma olhada por cima do ombro e viu aquele mesmo homem sentado agora a apenas dois bancos de distância do seu. E ele a observava.

Ela virou o rosto depressa e encarou o próprio colo, as mãos geladas e suadas. Tinha bebido demais. Aquilo era ridículo. Mas o homem continuava lá, encarando-a com seus olhos azuis.

Com seus olhos azuis. Sua boca azul. Seu rosto azul. Seu cabelo azul. Sua roupa azul.

O maldito homem parecia uma versão assustadora de uma droga de integrante do Blue Man Group.

Aquilo era ridículo, patético, inacreditável. Era uma alucinação, fruto da sua mente, piração de sua cabeça cheia de álcool. Nora jurou, naquele instante, nunca mais virar tantas doses de tequila. Aquilo era coisa do demônio, sua mãe diria. Era o coisa ruim pregando peças em sua mente. Nora não acreditava em nada daquela bobagem da sua mãe, mas naquele momento até que conseguia encontrar algum sentido.

Ela pediu silenciosamente aos céus e a qualquer coisa que aquele homem a deixasse de encarar, que descesse no próximo ponto ou que chegasse o seu ponto. Qualquer coisa resolveria. Os minutos pareciam intermináveis, congelados.

Nora se levantou, trêmula. Ela viu pelo canto dos olhos o homem azul a acompanhar com o olhar. Tensa, ela puxou a cordinha, seu ponto era o próximo. O homem não fez menção de se levantar. Ela agradeceu a alguém invisível por isso.

O ônibus parou. Nora desceu, praticamente correndo, aos tropeços. O veículo partiu, deixando um rastro de fumaça para trás. Ela caminhou a passos rápidos quando, de repente, sentiu uma mão em suas costas.

Uma mão azul.

 Ela gritou, mas foi pior, porque logo sentiu um jato quente e azul entrando por sua boca, invadindo suas narinas, esquentando seu corpo, manchando sua roupa. O homem estava vomitando algo terrível, de aparência escura e pegajosa, mas ainda azul.

Nora se sentiu mal, enjoou, o mundo rodopiou e ela caiu no chão.

E então tudo ficou azul escuro.

***

O sol da manhã invadiu seu quarto e esquentou seus olhos, ofuscando-os. Nora sentiu uma dor de cabeça horrível, começando nas têmporas e descendo até a nuca.

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