Lucinda Úrsula Burke;
Cophenan, 2024.
Foi no outono que ele chegou. As árvores tinham cores quentes e vibrantes, e um tapete de folhas secas acompanhava todo o trajeto das calçadas. A última flor do velho Ipê caiu pairando em frente a porta do Orfanato Aurum, no mesmo momento em que a campainha soou. Do outro lado da madeira pode-se ouvir passos e murmúrios apressados, e, minutos depois, uma bela mulher de trinta é tantos anos girou a maçaneta, dando boas-vindas com um sorriso acolhedor.
E lá estava Thomas Welsh Steverson, um garoto de estatura média e cabelos negros, olhos castanhos vivos e expressão assustada. Thomas havia perdido os pais aos doze anos em um vazamento de gás. É estranho como essa coisa de morte acontece... Você nunca está preparado para morrer. Por mais enfermo e acamado que venha estar, jamais espera que a morte bata em sua porta para levá-lo. E o pior nunca é morrer, não, esta é a parte fácil. O pior é quem ainda vive, com dor, saudade, culpa.
A dor parecia estar instalada em cada parte de sua face, e seus olhos fundos mostrava o quanto tinha chorado; ele estava devastado, assustado.
E eu lembro de cada detalhe daquele dia, porque eu estava lá. Meu nome é Lucinda Úrsula Burke e você nunca ouviu falar de mim; até agora. Sou residente do orfanato Aurum desde que me conheço por gente, desde que nasci. Na época eu tinha apenas nove anos de idade, mas o suficiente para marcar o rosto de Thomas pelo resto da vida. Ah! Antes de tudo: não se preocupe. Essa não é a história de uma pobre órfã que perdeu seus pais em um acidente de carro e se viu obrigada a morar em um orfanato mal assombrado que ninguém quis adotar, não; essa história nem é sobre mim. Bom, falando do Orfanato: a senhora Aurum era uma velha dinheirista que fundou o orfanato para ter a imagem de boa mulher perante a sociedade e receber a verba que o governo dava para que ela pudesse manter o local. Por alguns anos cuidou e supriu as necessidades do lar, até que conheceu um velho rico e fugiu com ele, largando o orfanato para sua filha cuidar. A senhora Aurum era, na verdade, minha avó. Sua filha, Cissa, era uma boa mulher que acreditava poder mudar o mundo com pequenas atitudes, e assim tentava fazer o melhor sempre que possível. Cuidava de todas as crianças como se fossem seus filhos, e eram. Mamãe sempre foi uma mulher incrível. Quando Thomas chegou ela o tratou como filho, embora soubesse que não iria demorar muito para que ele fosse adotado.Infelizmente o mundo é injusto. Depois que Thomas chegou ao orfanato pessoas de toda a cidade vieram visitá-lo querendo ter o garoto como filho, o motivo? Thomas tinha uma rica herança guardada a sete chaves, que seus falecidos pais deixaram... Mas, o mais intrigante é que ninguém voltava para concluir a adoção. Olhando por esse lado, Welsh parecia bem com uma criança amaldiçoada.
Mas o tempo passou, logo o seu aniversário de 14, 15, 18 anos chegou. Já não era mais aquele garoto assutado que via o medo e o mal em tudo, não. Ele havia se tornando um homem extremamente bondoso que seria capaz de dar sua vida pela de outra pessoa; e assim o fez. Se outrora me dissessem que aquele menino que chorava todas as noites com medo do escuro salvaria minha vida, eu jamais acreditaria.
***A algazarra tomou conta do apertado cômodo cheio de crianças, gritos, risadas e choros. Todos na faixa etária de seis a doze anos, todos brigando pela melhor almofada para sentar. Toda a sexta-feira era dia de histórias e as crianças pareciam ansiar aquele dia mais que qualquer outro: Era o dia em que Thomas Welsh Steverson trazia doces.
— Não, Lizzy! Não corre. Ei, você aí! Pare de puxar o cabelo dele! - Dizia, enquanto corria de um lado para o outro tentando acalmar todos. O que, na verdade, era uma tarefa nada fácil. - Jonas pare de gritar!
— Meu nome não é Jonas - um menino loiro cruzou os braços e deu-me a língua.
— Muito bem, Richard? Não, é... José?
— Jean. - Uma voz soou atrás de mim e o alívio inundou meus ouvidos, todos pareciam estar em silêncio por horas. - Francamente, quando Cissa vai aprender que você não leva jeito com crianças? - Sorriu Thomas.
Mas não havia sido um sorriso sincero, não. Foi um sorriso triste, de agonia. Parecia que algo estava apertado seu peito e ele parecia querer chorar. O encarei por uns instantes.— Pode voltar amanhã, se quiser - coloquei a mão sem seu ombro apalpando-o.
— Tá' brincando? E perder você e esse desastre? - disse enquanto sentava na maior almofada. Dirigiu-se as crianças - Quem quer ouvir a história da Branca de Neve e a Bruxa má?
As crianças responderam todas juntas com uma enorme empolgação.— Muito bem então. Era uma vez uma rainha...
E assim sucedeu-se a tarde de histórias. Enquanto Thomas estava cuidando dos meninos eu o observava de longe. Estava bonito, bem vestido, acho que fazia um bom proveito do dinheiro que lhe foi deixado.
— Thom já chegou? - Narcisa estava parada atrás de mim com as sacolas de compras. - Como ele está?
— Não sei, ele parece deprimido.
— Não é pra menos - suspirou pesadamente - hoje é o aniversário de morte dos pais dele.
É claro que era, como eu podia ter esquecido? Todo ano, na mesma data, amigos próximos da família de Thomas prestavam uma homenagem à eles no local de suas sepulturas, e este seria o primeiro ano que o homem falaria de sua perda.Assim que terminou com as histórias, sem falar nada, eu o segui. Não sabia como acalmar seu coração, tampouco o que falar em momentos assim. Chegamos ao cemitério ainda em silêncio, e lá já se encontravam diversas pessoas. Depositei um ramo de flores diante da lápide e ao encalço de Thomas ouvia as palavras de um velho amigo farmacêutico, quando este terminou, dirigiu-se até Thomas.
— Não deveria ter vindo, meu bom rapaz. É uma tortura ter que perder os pais duas vezes - e acariciou o ombro do moreno em forma de pesar.
Mas aí caiu a fixa de suas palavras, e olhei para o senhor. Ele parecia sincero, Welsh, confuso.— Desculpe, mas... Eu perdi ambos juntos - Falou o garoto em tom de desgosto.
— Você não sabe? - Indagou o farmacêutico, unindo as sobrancelhas brancas. - Não chegou a conhecer seus pais biológicos?
Lágrimas pareciam querer brotar de seus olhos e sem nada dizer deu às costas a todos. É claro que aquilo só podia ter sido um grande mal entendido. E era, eu tinha certeza disso. Ponderei entre ir até ele ou lhe dar espaço; mas ele precisava de alguém.— Seus nomes não estavam na minha certidão. - Disse o garoto com voz falha, antes mesmo de eu chegar até ele. - Eles... Eles disseram que aquela era apenas uma errada e me mostraram outra. Eu... - E suas palavras se perderam em um choro silencioso.
E Thomas novamente parecia aquele garoto de treze anos assustado que acabara de chegar em um lugar desconhecido. Thomas parecia ter voltado ao passado, de onde nunca havia saído.
-
Não sei se os acontecimentos foram muito rápidos, mas espero que entendam que precisava ser... Se houver palavras fora do contexto é pelo fato de eu escrever pelo celular.
Deixe sua opinião! Críticas construtiva sempre são bem vindas.
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Cophenan
General Fiction"Para uma mente bem estruturada, a morte é apenas uma aventura seguinte" - JKR Quando a cidade de Middleton é alvo de um acontecimento trágico, pessoas do mundo todo tentam resolver o mistério do massacre do dia 18 de Fevereiro. Depois dessa data a...