Un-thinkable

Era uma vez uma garotinha de longos cabelos castanhos e olhos curiosos que adorava quando sua mãe lhe contava histórias antes de dormir. Esta nunca repetia o mesmo enredo, queria que a filha escutasse sobre diferentes pontos de vista, desde o conto da chapeuzinho vermelho até a explicação que inventava no qual o lobo mau não era tão mau assim.

Como a pequena tinha 3 irmãos mais velhos, brincava sozinha; preferia imaginar que era uma princesa que salvava o seu cachorro e fiel companheiro de inúmeros atentados, era a sua própria heroína. Mas nas horas vagas ela apenas pintava, desenhava lugares mágicos, criava a sua história, os seus habitantes, para depois mostrar a sua arte para sua mãe e retribuir contando-a sobre as suas aventuras.

E assim a menina cresceu, era a melhor aluna no colégio – a mais criativa também –, era o orgulho de sua mãe, uma princesa sendo lapidada para um dia se tornar rainha.

Porém, num belo dia, o pai da família, o rei daquele grande império foi ganancioso, queria conquistar uma terra que não era sua, era de uma família rival. Iniciando-se assim uma guerra, fria e insensível, inconsequente e lastimável. A rainha, então, insatisfeita com a briga desnecessária, interviu, porque era isso que as mulheres naquele reino faziam, elas tinham poder. E ela queria botar um fim naquela rivalidade, trazer paz para todos que sofriam e se desgastavam com aquilo. Mas no final ela acabou sendo morta, durante a luta entre o seu marido e o homem que era seu inimigo, uma bala que por erro foi disparada deveria apenas voar pelos ares, porém encontrou o caminho de casa, encontrou o coração da pobre moça.

Assim como a rainha foi derrubada, o seu reino também. O ódio e a tristeza tomou conta do rei, que deixou a maldita terra para lá, mas nunca esqueceu sobre o ocorrido. O que era para trazer paz só trouxe mais rivalidade entre as duas famílias.

E a pequena herdeira do trono? Ela nunca foi uma princesa, e nunca seria, por mais que quisesse ser o espelho de sua mãe, o império não era mais dela.

Evah acabou de ler a última história que tinha escrito em seu caderninho alguns anos atrás com uma vaga lembrança de como as coisas costumavam ser perto daquela data, 20 de janeiro. O festival de Saint Sebastian sempre fora o seu favorito, mas desde a morte de sua mãe as coisas não eram mais as mesmas.

Era engraçado pensar que a última vez que tinha escrito algo foi sobre a morte de sua mãe, onde o império não era um império, o seu pai não era rei e ela ao menos era princesa. Foi sim criada para herdar o poder da cidade, porque curiosamente, até onde ela sabia, aquele era o único lugar onde o poder era passado de mãe para filha. Mas como não tinha mais uma mãe, essa lei provavelmente mudaria, seu pai daria a um dos seus irmãos a chave da cidade. Então, para quê ela continuava sobre pressão, ela não sabia.

Renan Goldsworthy, prefeito da cidade, era só mais um homem que contralava tudo e todos, criava seus filhos para fazerem o mesmo que ele um dia, por mais que a pequena Evah negasse ser a filha prodígio dele.

Todos as suas quatro crias eram estudiosas, o mais velho, Noah, tinha acabado de se mudar para a cidade grande para cursar a faculdade de direito. O segundo da prole, Isaac, era briguento e ainda estava no colégio, junto com o irmão Joseph. E Evah não estava muito atrás, ela tinha acabado de completar 16 anos, mas já discutia com o pai argumentando o fato de que se sua mãe pôde casar com o seu pai por amor, ela não devia engolir nenhum casamento arranjado só porque seu pai tinha interesses.

Diante disso, a mocinha passou a ter certeza que não era a filha favorita, e talvez nunca tenha sido.

Uma pequena lágrima escorreu tímida em sua bochecha, sentia muitas saudades da mãe. Sua vontade era de jogar tudo para o alto, fugir e nunca mais voltar. Mas quem era ela afinal? Só a filha do Prefeito Goldsworthy. E fazer tal tipo de coisa queimaria o nome de sua família. Ela ainda era a próxima para governar a cidade perdida.