Caminhava como quem flutua. Podia sentir a mão suada dele na dela, e era um grande esforço não sorrir para todos, que a bem da verdade, não pareciam notar, pareciam? Bem, na cabeça dela, todos os holofotes estavam sobre ela e o rapaz. Se existisse holofote no quintal dos fundos lotado de jovens e parecendo mais cheio ainda pelo som muito alto, só podia estar sobre os dois, porque sentia o calor de mil sóis sobre si, e o peito prestes a explodir.
Ela era jovem, ele era jovem. E era o garoto mais bonito que ela já tinha visto. Gostava de vê-lo assim, por trás, a forma como andava com os ombros ligeiramente caídos. A nuca de cabelos batidos, que descia suavemente e desaparecia na camiseta branca que contrastava com a cor de sua pele. Não conseguiu evitar aquele sorriso que vinha da alma, e trazia junto uma sensação nova de zunido. Como se algo, da matéria preciosa de que era feita, vibrasse, comemorasse a felicidade que sentia.
Eram jovens, e ele a carregava pela mão para longe da multidão de amigos que dançavam alegremente na noite de verão. O cheiro no ar era de cerveja, e de fumaça de cigarro, e de banho tomado, e creme de cabelo, perfume, e de uma felicidade nova, que parecia intensificar ainda mais aquele zunido que ela sentia dentro de si. Ele olhou para trás e sorriu, e ela podia derreter de felicidade, que continuaria a vibrar e a zunir e a querer que aquele instante durasse para sempre, apesar da mão suada, da respiração curta e do peito acelerado.
Segundo a segundo, sentia que algo grande, desconhecido, queria elevar-se de algum lugar dentro de si e flutuar, subir, eternamente naquele zunido. Ela quase podia ouvi-lo quando ele a levou para dentro da lavanderia e encostou a porta, e se voltou para ela, novamente aquele sorriso lindo que a fazia vibrar mais, mais alto, zunir mais forte. Na meia luz, mal podiam ver um ao outro, mas que importava? Quando os dedos acariciaram de leve a curva de sua cintura, ela teve certeza de que sua alma era um zunido só, e pôde sentir na boca o gosto do gloss que ela própria usava, mas que agora estava na boca dele, e aquele zunido enchia-lhe os ouvidos.
Já não ouvia mais a música lá fora, e tinha certeza de que ele podia ouvi-la zunir enquanto beijavam-se com a fúria que adolescentes que descobrem a boca um do outro têm. Ela era aquele zunido, aquele som, posto que agora ela sabia que tinha nome, e tinha batida, e dizia algo que vinha de muito tempo, e que tinha gostos desconhecidos, que se mesclavam ao tutti-frutti do brilho labial, e agora a faziam vibrar, e berrar, mas não sabia se ela era quem berrava, ou ele, ou de onde vinham aquelas vozes, e aquelas luzes, e sussurros e gemidos, e gritos.
E então o mundo se desfez em poeira e silêncio.
Podia sentir a própria respiração ofegante. Não sabia onde estava. Onde ele estava? Cadê todo mundo? Passou a mão pelo rosto, sentindo algo estranho. Aquela poeira. Grudava-lhe na boca, no rosto, mas também estava em seus cabelos e roupas, e tudo o que ela conseguiu sentir foi medo.
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Paraíso Perdido
General FictionDepois do fim... tudo continua. Principalmente quando a humanidade não sabe que acabou. Mas e os outros, que também ficaram para trás?