Um

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Annete subiu as escadas de dois em dois degraus. Sentiu o ar faltar aos pulmões, o suor escorrer pelas costas e os pés arderem. Estava atrasada vinte minutos como sempre. Abriu a porta do auditório e cerca de cinquenta cabeças, na maioria de homens, viraram pra encará-la. Murmurando um pedido de desculpas quase inaudível, passou por entre as cadeias numeradas a procura da sua. Estava na primeira fila. Soltou uma maledicência por ter escolhido a saia roxa. Era fofa, tinha umas pregas na frente, era de cintura alta e deixava a barriga dela retinha, mesmo que por baixo da roupa não fosse em assim. E era curta, acima do joelho. Não que ela ficasse constrangida facilmente, mas sentar com as pernas expostas prum técnico, um jogador de futebol de 20 anos, assistentes e preparadores não era bem o que ela tinha em mente para uma segunda-feira de manhã. Puxou um pouco mais a saia enquanto caminhava para uma cadeira, a de número seis, que tinha um crachá com seu nome e o nome da revista. Jogou tudo na bolsa gigante que carregava. A bolsa estava um caos. Não podia achar nem o celular, e ele tocava Who run the world, da Beyonce quando alguém ligava. Enfiou a mão naquele buraco negro em busca de uma caneta e um bloco de anotações, o que não encontrou, obviamente. Deu um suspiro de resignação alto demais e o homem ao lado dela ergueu uma sobrancelha com expressão de surpresa. Eles sempre ficavam em ver uma mulher no meio deles. O olhar dele desceu para a saia roxa e para o que ela não cobria das pernas de Annete. Ele deu um sorrisinho de aprovação e Annete bufou. Eles sempre faziam isso. Ela estreitou os olho para ver o nome dele no crachá: Roberto, Sport inc. Não reconhecia. Deu de ombros e com um sorriso doce, cochichou pra ele:

—Tem uma caneta?

Olhares de surpresas, já era normal para Annete. E ela sabia usar isso ao seu favor. Ele arregalou o olhos e estendeu a canta que segurava. Ainda sorrindo ela cochichou novamente:

—Você não teria um bloco, teria?

Piscou lentamente para Roberto, ele afirmou com a cabeça e entregou a ela o bloco de anotações com o logo da revista dele. Ela articulou um obrigado sem emitir som nenhum e virou-se para frente, ouvindo atentamente o que o jogador falava sobre a estreia no time. Annete pouco sabia sobre esportes. Nunca tinha ido a um estádio, uma arena ou a uma quadra. Não perdia um segundo do seu dia para assistir na TV. Não tinha informação sobre nenhum time e não sabia a posição de ninguém em tabela de campeonato nenhum. Suas amigas achavam seu emprego uma piada. Annete também achava. Ia na sorte. E estava dando certo até ali. Quando entrou na Gazeta dos Esportes, ela servia café. Num dia, quando ia servir um café para Denis, o editor-chefe, ela ouviu ele reclamar com Tomas, irmão dele, sobre a decadência da revista e que precisavam de algo novo. Ela encontrou coragem nos cubos de açúcar que carregava na bandeja e disse:

—Eu posso trazer um novo olhar pra essa revista!

Eles em choque por ouvirem aquilo da moça do café, olharam para ela atônitos. Depois do choque inicial, eles caiam na gargalhada. Constrangida pelas gargalhadas, Annete pigarrou e continuou:

—Eu sou uma mulher, tenho graduação em letras e poderia sim, dar a minha opinião sobre alguns jogos.

Ela colocou as canecas na frente deles e sorrindo, conclui:

—Seria o olhar delas sobre todo esse esporte que é praticado por ai.

Dando risinhos Denis tomou um gol do café, por fim, disse:

—Um artigo, mil palavras sobre o jogo de basquete do Gigantes e os Tudors. Amanha de manhã.

Sorrindo, ela assentiu, tirou a bandeja vazia fechou a porta da sala com uma bundada. Naquela noite, ela não dormiu, leu todo tipo de matéria sobre o jogo, viu os vídeos e escreveu o artigo. Mil e cinquenta palavras. Engraçado, com tiradas sarcásticas sobre os jogadores. Assinou o artigo com Beijos, A.

Sorte no jogo, azar no amor.Onde histórias criam vida. Descubra agora