Só mais um olhar.

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Estávamos deitados embaixo de uma árvore nojardim, meus óculos escuros estavam depositados ao meu lado, embora nãogostasse de usá-los em casa, a vergonha sobre meus olhos era tão dominante queo fazia sempre carregá-los comigo.

Eu poderia descrever como era o local que nos encontrávamos, pelo menos o que eu pudesse me lembrar, porém minha memória me abandonou mais cedo do que eu esperava.

-- Anne, pode-me dizer como está o céu hoje? - pergunto suspirando, essa pergunta se tornou frequente nos últimos três anos.

Anne é a garota que meus pais contrataram para cuidar de mim. As três antes dela se demitiram por eu fingir ser o mais desagradável possível. Não que com Anne tenha sido diferente, ela apenas foi resistente e tal resistência me cativou, além de eu ter me cansado de ser arrogante, é claro.

-- Bom, hoje o sol está frui, parece que as nuvens se acumularam propositalmente ao redor dele e elas estão escuras, o que dá destaque ao seu brilho pálido. Do sol, digo. - Ela deu uma pausa, o que ocorre com frequência, ela dizia que era para poder observar mais e não perder nenhum detalhe - Já pode se ver uma fraca imagem da lua no leste, ela também está rodeada de nuvens, assim como boa parte do céu. Acho que irá chover.

-- Obrigado Anne. - Disse tentando imaginar, após isso ficamos em silêncio por um bom tempo, até que eu me sentei e fiquei com a cabeça direcionada para minhas mãos, como se eu estivesse encarando-as. - Pode me descrever mais uma coisa Anne?

-- Claro James.

-- Como você é? -- Pude percebê-la sentando-se ao meu lado e, pela sua personalidade, ela provavelmente estaria corando. Sempre quis perguntar isso, tudo que sei sobre sua aparência é que ela é uns bons centímetros menores que eu e possui cabelos longos que pude perceber ondulações ao esbarrar nela "acidentalmente". Após alguns segundos de silêncio perguntei - Então? - Eu daria muita coisa para poder ver sua expressão, para poder vê-la.

-- Eu não sei o que dizer. - Ela solta uma risada curta e envergonhada.

-- Diga-me o que você vê no espelho todo dia, surpreenda-me. - Virei a cabeça em sua direção e sorri descaradamente.

-- Sou baixa de mais, magra de mais, cabelos castanhos-dourado, ondulado que vão até metade das costas, olhos cinza e grandes de mais, tenho o rosto longo e um nariz fino. - Ela falou rápido de mais, porém não deixei de assimilar tudo e tentar imaginar.

-- Ouço dizer que é bela, não gosta de sua aparência? - Fui ignorado.

Eu não gostava de ser ignorado, pretendia repetir a pergunta em breve, porém no momento me contentei em brincar com seus cachos, o que a fez ficar tensa por um instante fazendo-me parar, só para depois recomeçar novamente.

-- Do que você mais sente falta? - sua pergunta me pega de surpresa, eu já havia pensado sobre isso, é claro, mas ninguém nunca havia me perguntado isso e eu gostei.

Solto um suspiro longo e sem pensar muito nas palavras, que já estavam guardadas em minha mente, começo -- Das estrelas. E não posso me perdoar que precisei perder a visão para poder sentir o desejo de observá-las.

-- Por quê está sempre usando os óculos? - após um longo período de silêncio ela pergunta.

-- Você só me respondeu uma pergunta querida. - sorrio triunfante apenas para ela arrancar o sorriso de meus lábios nos segundos seguintes.

-- Nada disso, eu lhe respondi três pelos meus cálculos - Eu tinha certeza de que ela estaria sorrindo, então de brincadeira fiz uma cara enfezada, mas ainda assim não respondi nada.

Acho que eu posso dizer que eu sou uma pessoa atraente, sou alto e esguio, cabelos negros e lisos que dão contraste a meus olhos, cortados com uma franja um pouco acima dos olhos e me visto consideravelmente bem, mas meus olhos são o que mais chamam atenção, pelo o que eu ouço. Eles são de uma tonalidade azul escuro e as pessoas costumam elogiá-los bastante. Eu gostava disso quando eu podia enxergar, mas agora é desconfortável e eu não permito mais que muitas pessoas possam vê-los.

-- Devemos entrar, não queremos pegar um resfriado. - Não percebi que já estava chovendo. Ignorei-a.

-- Porque eles são inúteis. - disse pausadamente pensando nas próximas palavras - as pessoas costumam elogiar sua tonalidade, dizem que eu tenho sorte de ter olhos bonitos. Mas pra quê ter olhos bonitos se eles não servem para nada?! - soltei uma risada amarga enquanto me levantava. Já estávamos encharcados. - Respondendo novamente a sua primeira pergunta. Também sinto falta das cores, as vezes o escuro parece ser um pouco solitário. - Ela havia pegado meus óculos e minha bengala, a segurou com uma das mãos e com a outra puxou meu braço e beijou meu rosto, ficando na ponta dos pés para poder me alcançar. Ela devolve minha bengala e caminhamos em direção à casa.

-- Gostaria de fazer alguma coisa. Sabe, para que tenha sua visão de volta. - após uma pausa ela continua - Isso soou menos idiota na minha cabeça, por favor, não ria. - ponho o braço ao redor de seu pescoço e caminho assim, abraçando-a.

-- Você faz Anne, você faz. - Sorrio pensando em tudo que ela me descreve deixando minha mente imaginar o que ela diz, muitas vezes sem que eu peça.

Só mais um olharOnde histórias criam vida. Descubra agora