PRÓLOGO - SEIS

65 2 2
                                    


Éramos seis.

No começo, éramos duas, novatas; eu, nova — e já infeliz — na cidade e ela nova na escola, os pais resolveram a transferir porque os alunos de sua antiga escola eram marginais. Gabriela Marine era filha de um casal extremamente católico, o que era visível pelo seu corpo coberto por roupas que não chamavam nenhuma atenção, sem acessórios a não ser um escapulário enrolado em volta de seu punho direito. Gabriela sempre queria exibir o próprio conhecimento musical, cinematográfico e literário que considerava rico em cultura, enquanto eu estava feliz em conhecer muitas coisas mas não sair apontando a qualidade dos gostos de cada um. Talvez deve ser por isso que as outras se aproximaram.

Eu nunca soube como Gabriela conheceu Guinevere Ferrera. As duas eram extremamente diferentes e se tornaram amigas da noite para o dia. Guinevere, em contraste ao seu nome de dama elegante, era exaltada, se agarrava a sua adolescência e não tinha medo de ser ela mesma. A princípio, eu não queria a companhia de Guinevere, mas nossos gostos musicais impediram a nossa distância e de repente, eu sorria a cada vez que ela gritava ao meu lado.

E por falar em grito, foi assim que conhecemos Victoria Neves. Bom, foi assim que elas conheceram Vickie. Assim como toda adolescente, eu visitava fóruns para ler sobre programas de TV que eu amava e em um deles conheci Victoria. Foi só quando mudei de cidade que descobri que Vickie estudava na mesma instituição que a minha. E sobre como elas conheceram Vickie, nós estávamos em um piquenique e Vickie estava lá, gritando com uma garrafa de vinho na mão; nenhuma novidade ou ocasião única para quem a conhece.

Lucia Matede entrou em nossas vidas pelo tesão de um homem. Apesar de ser bem o estereótipo de garota adolescente, ela não tinha nenhuma amiga, todas as outras meninas acabavam a odiando, então, o jeito era ficar rodeada de rapazes para não ficar sozinha. Foi quando seu amigo viu Guinevere sentada no pátio comigo, enquanto cantávamos mais uma de nossas músicas cheias de agudos, e ficou extremamente atraído por ela. E Lucia teve que fazer o trabalho de arranjar um encontro entre os dois. O encontro rolou, Guinevere e o amigo de Lucia não ficaram juntos, mas Lucia ficou no nosso grupo com sua personalidade tão forte em seu corpo tão fraco.

Renée Carlson estava lá desde o meu primeiro dia de aula e eu não a suportava. Talvez por ela ser amiga de pessoas aparentemente insuportáveis ou por ela vestir cachecol em um dia que o suor escorria livremente pela minha camisa cinza, mas eu não a engolia. Mas Lucia sim. E todos os dias, nós tínhamos que almoçar junto dela, que contava histórias muito engraçadas e eu mordia meu lábio para não rir. Nunca gostei de ceder, nunca gostei de me adaptar, mas me adaptei e passei a sorrir a cada manhã.

De repente, éramos seis.

Até quarenta e oito horas atrás, eu era uma. E agora, teremos que ser cinco. Gabriela morreu. Não sabemos como, mas ela está morta. Eu não falava com ela desde o ano seguinte à minha saída de Fundown. Fui a última do nosso grupo a sair da cidade: Victoria teve sua independência interrompida e teve que voltar a Sepetille, mas durante nossas conversas mensais, sempre ignorou quando eu perguntava onde ela estava morando; Lucia e Guinevere, que se aproximaram muito no nosso último ano, saíram juntas e estão bem felizes sendo vizinhas de subúrbio pelo que vejo em suas redes sociais; Renée até ano passado estava morando na Itália, noiva de mais um homem másculo e musculoso, como sempre está acompanhada.

Gabriela continuou na cidade até seu último dia. O cabelo cada vez mais preso, o corpo cada vez mais coberto, os pais cada vez mais superprotetores. E eu, Ivonette Mars, recém-saída da desilusão amorosa número 49, estou de volta pronta para um reencontro fúnebre com minhas antigas amigas, tendo controlar meu sorriso para que não pensem que tive algo a ver com a morte suspeita e repentina de Gabriela. Eu não mataria Gabriela. Quem mataria? Ela era uma santa... não?  

CretinaOnde histórias criam vida. Descubra agora