As pessoas costumam falar que ninguém é perfeito, elas sempre dizem que a perfeição é impossível. Todos tem erros, são compostos por defeitos. Porém, existe alguém que não aceita erros, existe alguém que está disposto à destruir qualquer falha, não importa qual seja, não importa se ela for grande, ou pequena. Ele está disposto à qualquer coisa para atingir a perfeição, e eu acredito que este é o seu defeito. O meu pai, um homem rigoroso, alguém que não sente nada além de ódio, um homem feito de defeitos, o homem que conseguiu forjar o impossível em mim; a perfeição.
Eu preciso tocar todos os tipos de instrumentos, eu também preciso cantar sem errar nenhuma nota, eu preciso sorrir, atuar, eu preciso parecer sempre disposta e feliz. Eu preciso falar várias línguas, eu preciso ter a receita para qualquer medicamento, eu preciso conhecer todos os tipos de plantas e todos os tipos de sementes. Eu preciso saber costurar, cozinhar, desenhar, eu preciso usar os melhores tecidos, eu preciso usar os melhores vestidos.
Normalmente, eu deveria dizer que ele só quer o meu bem, o meu pai só quer que eu tenha experiência e esteja pronta para a vida, porém, eu sei que ele jamais toleraria qualquer erro. Se eu dar um passo em falso, estou expulsa do nosso lar, do nosso mundo, do nosso universo, se eu não for perfeita, então sou inútil, se eu não for perfeita, eu não tenho o direito de viver.
As pessoas acham que o meu pai é a pessoa mais assustadora do mundo, porém, elas jamais imaginariam que eu, o seu fruto, a pessoa que tem o mesmo sangue que ele, mesmo recebendo vários ensinamentos, mesmo sendo obrigada à seguir várias regras, não é perfeita. Eu tenho uma irmã, ela é apenas três anos mais nova que eu, Alice. O seu maior medo são os trovões, ela nunca consegue dormir nos dias de chuva. É obvio que o meu pai não ficou sabendo disso, se ele soubesse, acredito que já teria tentando mata-la.
Sempre que a chuva começava à cair, minha pequena irmãzinha andava até o meu quarto, enquanto tremia de medo. Lembro-me que isso começou quando eu tinha 12 anos, ela andava até mim com os olhos cheios de lágrimas, estendendo os seus braços para ganhar um abraço, enquanto falava "Irmã, estou com medo". Ela é a minha imperfeição, foi por causa dela que eu não me tornei uma pessoa fria igual ao meu pai, minha irmã é minha única imperfeição, e minha única salvação.
Eu não preciso manter uma boa postura na frente dela, eu não preciso sorrir sem necessidade, eu não preciso atuar, perto da minha irmã eu posso me sentir livre, eu posso voltar à respirar.
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Eu estava olhando através de uma das enormes janelas do reino, observando uma rosa que lutava contra o frio e a neve, ela parecia muito saudável, era a única rosa que insistia em ficar lá, no meio do caos de inverno. Ela era de um vermelho diferente, muito mais vibrante, um vermelho que me lembrava o fogo. Talvez seja por isso que ela ainda está lá, desafiando o inverno. Está exibindo sua linda cor para o branco vazio da neve.
O corredor que antes estava silencioso, começou à emitir um ruído. Assim que olhei para o lado, percebi que o som estava vindo de um dos guardas do reino, que estava passando por lá. No exato momento em que ele me avistou, fez uma breve saudação e foi embora. Voltei à encarar a rosa, e então percebi que uma de suas pétalas estava um pouco solta, foi necessário apenas um pouco da presença do vento, para que a pétala caísse sobre a neve. A rosa estava morrendo, sua perfeição estava se desmanchando aos poucos, assim como a minha.
— Hum... Olá? Senhorita Aurora? — Uma das empregadas do reino estava ao meu lado, me chamando um pouco preocupada. Assim que coloquei os meus olhos nela, recebi um pequeno sorriso. — O rei está esperando pela senhorita na carruagem. — Droga, eu acabei me esquecendo.
— Obrigada. — Eu respondi, enquanto fazia uma pequena reverência para ela, logo depois ajeitei a minha postura e saí andando pelo corredor, em busca da saída do castelo, enquanto me perguntava como consigo me perder dentro de casa, no lugar onde eu nasci.
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Um dos guardas me ajudou à subir na carruagem, logo depois me sentei ao lado de Alice, percebi que o meu pai estava observando minha mãe, que estava sentada ao seu lado. Eu já sabia o motivo, conseguia sentir o cheiro de álcool de longe. Eu deveria ter um irmão mais velho, porém, ele acabou morrendo quando tinha 4 anos, graças à uma doença. Sempre que me deparo com a grande pintura no salão principal do reino, eu não consigo comparar aquela mulher com a minha mãe. Ela tinha um sorriso radiante, parecia estar realmente muito alegre, os seus olhos pareciam vivos, era difícil não dizer que ela era a pessoa mais sortuda do mundo.
Mesmo tendo duas filhas, ela não conseguiu esquecer o primeiro, não conseguiu tratar eu e Alice com o mesmo amor que tratou o seu primeiro filho. As vezes, eu sentia vontade de gritar com ela, eu queria perguntar o motivo para me odiar tanto, o motivo para descontar em nós a dor de perda do seu primeiro filho. Ela foi a pessoa que me colocou no mundo, mas nunca foi capaz de me dar amor, ela era egoísta. Colocar alguém no mundo apenas para sofrer, isso é egoísmo.
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Õrkiddea; Betrayal
FantasyAs pessoas costumam falar que ninguém é perfeito, elas sempre dizem que a perfeição é impossível. Todos tem erros, são compostos por defeitos. Porém, existe alguém que não aceita erros, existe alguém que está disposto à destruir qualquer falha, não...